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COMO REDUZIR AS DESIGUALDADES DE GÊNERO PODE NOS RECUPERAR DAS CRISES CLIMÁTICA E ECONÔMICA

ELABORAÇÃO: Ana Carolina da Silva Barbosa*
PUBLICADO EM: 10 de maio de 2021

A redução da desigualdade de gênero no Brasil pode ser a chave para chegarmos, coletivamente, a respostas que tangem a crise climática e a recuperação da economia

 As mulheres brasileiras têm seu direito fundamental a uma vida digna afrontado diariamente: são as mais atingidas pela pandemia de forma desproporcional, agravando a desigualdade de gênero no nosso país (1). Elas estão em situação de cárcere (2), devido ao isolamento social, presas em casa com seus agressores. As mulheres que trabalham no setor mais atingido – o de serviço – e onde se inserem mais mulheres, inclusive como empreendedoras, têm dificuldade em conseguir financiamento e pagam taxas de juros maiores que a dos homens, segundo o Sebrae (3).

No âmbito da saúde e dos direitos reprodutivos, nosso país tem o maior índice de morte materna por covid-19. Um estudo divulgado em julho de 2020 (4) apontou que 77% das mortes de gestantes e puérperas por covid-19 no mundo foram registradas no Brasil. Também durante a pandemia foram implementadas políticas do governo federal para dificultar o acesso das mulheres ao aborto garantido constitucionalmente, e profissionais da área se preocupam com a subnotificação de estupros de vulneráveis (5). As mulheres serão as mais afetadas pela pandemia na área da saúde, seja porque terão que lidar com sequelas da doença ou porque estão desenvolvendo doenças que não estão sendo diagnosticadas e tratadas precocemente, como o câncer de mama. E não se vê do Ministério da Saúde, ou do Ministério da Mulher, família e direitos humanos qualquer estratégia para ajudar as mulheres.

Não é possível falar de inserção econômica e desenvolvimento de negócios sustentáveis, sem falar dessas desigualdades. Nem é possível abordar as desigualdades de gênero sem passar pelas violências. Sem as garantias fundamentais à vida, saúde, educação, moradia e um meio ambiente equilibrado, não veremos a transformação social que permita a superação dos obstáculos econômicos.

A Convenção da Eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (6) apresentou o conceito quadrimensional de igualdade, que deve pautar toda e qualquer política que envolva a discriminação de gênero (7). Esse conceito inclui:

  1. reparar as desvantagens sofridas pelas mulheres em séculos;
  2. identificar e reconhecer os problemas dos estereótipos de gênero;
  3. incluir as mulheres no debate de políticas sociais;
  4. e, por último, pretender a transformação das estruturas sociais.

As políticas brasileiras que visem eliminar a desigualdade de gênero devem necessariamente observar esta estrutura.

Outro ponto a ser observado é que, antes da pandemia, a sociedade já questionava o modelo econômico capitalista neoliberal, que agravou as desigualdades sociais, enfraqueceu os Estados e os regimes democráticos e contribuiu para a insatisfação dos cidadãos com a classe política. Este modelo também nos levou à emergência climática, à destruição de ecossistemas e à escassez de recursos naturais. Perdemos décadas sem desenvolver as tecnologias e políticas necessárias para manter nosso mundo habitável, pressionados por lobbies que enriqueceram uma economia insustentável.

A crise causada pela pandemia é uma oportunidade para implementar as políticas necessárias para nos garantir vida digna, respeitando os limites dos recursos planetários. Ela espalhou pelo mundo o objetivo de implementar uma recuperação verde e inclusiva, circular, com desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, e que permita o engajamento de todas as pessoas.

Os maiores desafios brasileiros são a redução das desigualdades sociais e a emergência climática e para ambos, a solução passa pela necessariamente pela inserção econômica das mulheres.

Estima-se que a inclusão de mulheres de forma equilibrada no mercado de trabalho e a valorização do trabalho de cuidado poderia gerar um aumento de 4% no PIB global. Ainda, os dados apontam que a inclusão das mulheres no mercado de trabalho dinamiza a economia, além de modificar estruturas sociais e garantir maior equidade, ampliando o grau de liberdade na sociedade, atendendo à estrutura da igualdade substantiva (8).

A luta contra a desigualdade de gênero também é elemento importante quando o assunto é emergência climática, não só porque as mulheres são as mais atingidas pelos efeitos do aquecimento global, como também porque podem ser protagonistas nas atividades econômicas relacionadas à mitigação e adaptação à crise climática. São atividades fundamentais, principalmente no nosso país, onde a principal fonte de emissão de gases do efeito estufa advém da mudança do uso da terra, ou seja, do desmatamento (9).

As mulheres são as maiores produtoras de alimento em pequenos terrenos (10). No Brasil a agricultura familiar e pequenos produtores ainda é desvalorizada, apesar de vivermos num país que tem 13 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza (11). Nossa população está concentrada na área urbana, e com a tecnologia atual, seria interessante investir na produção urbana sustentável de alimentos. Técnicas de cultivo de alimentos hidropônicos ou fazendas tecnológicas podem produzir uma grande quantidade de alimento de qualidade, com uma emissão de carbono reduzida, além de serem sustentáveis no uso de água, energia e não precisarem de serem transportados por longas distâncias. Nas áreas desmatadas ou de florestas, ajudar as mulheres com tecnologia para cultivo de alimentos sem desmatamento e com reflorestamento pode gerar um enorme benefício para o Brasil, visto que, se não recuperarmos nossas áreas desmatadas, podemos comprometer as metas de redução de emissões assumidas no Acordo de Paris.

A insegurança alimentar, o desperdício de alimentos e a gestão dos resíduos das cidades brasileiras são áreas que apresentam oportunidades de desenvolvimento de negócios feitos por mulheres brasileiras. A economia circular e a reciclagem serão fundamentais para tornar as cidades brasileiras mais sustentáveis e alguns projetos já estão sendo desenvolvidos no país (12). Estes projetos necessitam urgentemente de incentivo e financiamento, para que estas mulheres possam gerir suas organizações com maior autonomia.

Parte desta política de gênero transformadora passa por repensar a estratégia tributária brasileira. O sistema atual é regressivo e reforça a discriminação de gênero e raça, na medida em que reafirma os estereótipos e papéis que as pessoas assumem dentro de uma relação familiar e na nossa sociedade. Alterações no sistema tributário que tornem o sistema mais distributivo e progressivo, como, por exemplo, a reforma do imposto de renda da pessoa física (com a atualização de sua respectiva tabela), e a eliminação da isenção da distribuição de lucros e dividendos podem levar a uma expressiva redução de desigualdades.

Outras alterações também são necessárias, principalmente se formos pautar o sistema na Constituição Federal e nos objetivos do desenvolvimento sustentável. Atividades com produção de carbono intensivas deveriam ter vantagens fiscais e tributárias revistas e as atividades redutoras de emissões de carbono deveriam receber incentivos fiscais, especialmente neste momento em que dependemos desta transição para garantir um lugar seguro e saudável para a população, sem deixar ninguém para trás.

A correção da desigualdade de gênero no Brasil não é apenas uma questão social ou uma discussão moral, trata-se também de uma questão econômica e dela depende o desenvolvimento sustentável do Brasil.

Referências
  1. Na verdade a situação das mulheres tem sido agravada globalmente. Vide Relatório da União Europeia recém divulgado. Disponível em https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_21_1011 Acessado em 07/03/2021.
  2. FÓRUM DE SEGURANÇA PÚBLICA. (2021). Disponível em https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/violencia-domestica-durante-pandemia-de-covid-19/ Acessado em 06/03/2021.
  3. SEBRAE (2021). Disponível em https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/por-que-e-fundamental-estimular-o-empreendedorismo-feminino,ca96df3476959610VgnVCM1000004c00210aRCRD Acessado em 07/03/2021.
  4. Takemoto MLS, Menezes MD, Andreucci CB, Nakamura-Pereira M, Amorim MMR, Katz L, Knobel R. The tragedy of COVID-19 in Brazil. Internationcal Journal of Gynecology Obstetrics, July, 2020.
  5. CNN BRASIL. (2021), Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/09/12/pandemia-provoca-subnotificacao-de-casos-de-abuso-dizem-especialistas Acessado em 06/03/2021.
  6.  Promulgada pelo Decreto nº. 4.377/2002.
  7. As dimensões são as seguintes: (1) reparar a desvantagem das mulheres (a dimensão redistributiva); (2) abordar estigma, estereotipagem, preconceito e ódio (a dimensão do reconhecimento); (3) facilitar a participação e a voz (a dimensão participativa); e (4) acomodar diferenças e transformar estruturas de gênero na sociedade (a dimensão transformadora).
  8.  EXAME. (2021) Disponível em https://exame.com/revista-exame/mulheres-contra-a-crise/ Acessado em 07/03/2021.
  9.  SEEG (2021). Disponível em http://plataforma.seeg.eco.br/total_emission Acessado em 06/03/2021.
  10.  AGÊNCIA BRASIL. (2021). Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-10/aumenta-participacao-de-mulheres-na-agricultura-familiar#:~:text=A%20participa%C3%A7%C3%A3o%20feminina%20na%20agricultura,compara%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20masculina%20em%202019. Acessado em 07/03/2021.
  11.  THINK OLGA (2021). Disponível em https://thinkolga.com/report/economia-trabalho/ Acessado em 06/03/2021.
  12.  TERRA. (2021). Disponível em https://www.terra.com.br/noticias/dino/mulheres-sao-maioria-no-setor-da-reciclagem-de-residuos-solidos,1232f6701ee0416bd267873cc027bf1bfnfmg28s.html Acessado em 07/03/2021.

* Sobre a autora: Ana Carolina é advogada, integrante da rede LACLIMA e tem ampla experiência tributarista.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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