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O REDD+ e o que a discussão de gênero tem a ver com isso

ELABORAÇÃO: Marina Brito Pinheiro
PUBLICADO EM: 14 de março de 2021
O REDD+ se apresenta como um caminho para a redução de emissões, mas essa discussão precisa levar a perspectiva de gênero em consideração para ser bem sucedida nas comunidades envolvidas..

REDD+ é uma sigla que significa Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal e dá nome a uma das principais iniciativas no âmbito das discussões sobre o estabelecimento de um mercado global de carbono, atribuindo um valor econômico à redução das emissões.

Criado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o REDD+, em linhas gerais, seria uma forma de países ricos do norte global contribuírem para a redução das emissões de gases do efeito estufa apoiando projetos de conservação, tendo como moeda de troca a quantidade de CO2 estocados em florestas.

Esse mecanismo de compensação de emissões de gases do efeito estufa é controverso, tanto em termos da sua efetividade na conservação florestal, quanto em promover os direitos das comunidades ribeirinhas e outros povos da floresta. Ainda assim, ele se tornou uma realidade em diversos países do sul global, como no Brasil. Porém, sua aplicação tem ocorrido de forma pouco sensível às questões de gênero, como a maior parte das políticas de mitigação climática no mundo.

Apesar do interesse de diversos atores, como governos nacionais e subnacionais, em financiar e executar projetos no arranjo do REDD+, existem controvérsias em torno do tema. De um lado, a compra e venda de estoques de carbono ainda não alcançou a oficialidade que se esperava, com o estabelecimento de fato de um mercado global. De outro, questiona-se a capacidade desse tipo de mecanismo de garantir a conservação florestal e oferecer os chamados “co-benefícios do REDD+”, ou seja, efeitos sociais e ambientais além da redução de emissões de CO2.

É possível que a ausência de regulamentação clara e efetiva afete os resultados desses projetos, o que necessita de maior investigação. A realidade até agora, no entanto, é a de que a rápida elevação do desmatamento em diversas áreas de conservação florestal, algumas delas beneficiadas por esse tipo de iniciativa, revela limitações desse modelo no que concerne a conservação florestal. Quanto aos “co-benefícios do REDD+” , a ausência de um olhar consistente sobre os povos que vivem nas florestas, assim como para outros temas estruturantes das relações sociais nesses espaços, como gênero, tem resultado em denúncias de violação de direitos, partilha desigual de benefícios e exclusão de parcelas dessas populações dos espaços de tomada de decisão.

Apesar das divergências em torno da efetividade dessa iniciativa, o REDD+ chamou a atenção de empreendimentos privados e governos subnacionais no Brasil, que veem no mecanismo uma forma de financiamento de políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável. Existem iniciativas em diferentes níveis de implementação em todos os estados por onde o bioma Amazônia se estende, sendo o Acre um dos pioneiros nesse processo e também, hoje, um dos principais alvos de críticas à forma como esse modelo de política climática se estabeleceu no país.

Apesar de algumas dessas iniciativas terem apontado para questões relacionadas a gênero em suas diretrizes socioambientais, o tema ainda está longe de ser aplicado pelos projetos existentes hoje no país. Existem dificuldades em garantir a participação efetiva das mulheres nos processos de tomada de decisão, tais como a construção dos Termos de Consentimento Livre, Prévio e Informado. Assim como é recorrente a ausência de uma perspectiva de gênero em legislações que operacionalizam a participação dos governos estaduais na gestão dos projetos de REDD+, entre outras coisas.

 

Mas por que esses projetos deveriam estar atentos às desigualdades de gênero?

A resposta é que, ao fazerem isso, eles não só diminuem as chances de ocorrência de violações de direitos, mas também podem ser mais efetivos. Ações financiadas pelo REDD+ nas comunidades de pessoas que vivem em áreas conservadas, quando planejadas sem perspectiva de gênero (ou sem um olhar voltado para as relações de gênero), podem reforçar desigualdades internas às comunidades, excluindo as mulheres da possibilidade de se beneficiarem dos ganhos sociais que esses mecanismos de compensação de emissões podem trazer.

Além disso, uma perspectiva de gênero pode gerar resultados mais positivos na própria conservação da floresta. Existem evidências coletadas de experiências de projetos de REDD+ no mundo que mostram que projetos sensíveis à questão de gênero levaram à maior adesão da população às iniciativas voltadas para a conservação florestal na área onde a ação era realizada, e consequentemente ao aumento dos estoques de carbono.

Em paralelo ao debate em torno da viabilidade do REDD+ enquanto solução de política de amenização das mudanças climáticas, sua presença cada vez mais constante nas agendas dos governos estaduais no bioma Amazônia coloca a necessidade de debater a incorporação das questões de gênero nas propostas de regulamentação de programas de REDD+ subnacionais. É fundamental discutir ações concretas para que essas iniciativas promovam os direitos das mulheres, assim como sejam capazes de distribuir de forma equitativa os possíveis benefícios sociais que esses projetos venham a oferecer.

Em outras palavras, sem uma incorporação adequada de uma perspectiva de gênero, projetos de REDD+ terão que lidar com um risco iminente de violações de direitos, seja através da reprodução das desigualdades já existentes, seja pelo estabelecimento de novas disparidades, beneficiando parte da população em detrimento de outra. As políticas voltadas para mitigação das mudanças climáticas, como o REDD+, só obterão sucesso se feitas com e para as mulheres.

Referências

PIATTO, M. et al. REDD+ no Brasil: Status das salvaguardas socioambientais em políticas públicas e projetos privados. Piracicaba, Imaflora. 2015. Disponível em: https://bit.ly/2VjWfbA. Acesso em 19 Set 2019.

RANDO, Ayri; AZEVEDO, Marta. Controle social no Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais do Acre: relato da experiência de implantação e funcionamento do comitê local de padrões. Redes (Santa Cruz do Sul. Online) 20, 1. 2015. Pp. 108-128.

SANSON, Fábio Eduardo de Giusti. Florestas do Antropoceno: tensões no contexto das mudanças climáticas. Tese de Doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina. 2016.

UNREDD, United Nations Collaborative Programme on Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation in Developing Countries. The Business Case for Mainstreaming Gender in REDD+. UNREED. 2011.

WALDHOFF, Philippe. Resultados da avaliação do manejo florestal comunitário sobre os meios de vida de seus protagonistas: destaque para a conservação ambiental em detrimento à produção. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo. 2014. Pp. 151.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Onde está o gênero nas políticas climáticas?

Após produzir uma nota técnica analisando a presença de gênero em políticas e programas climáticos federais, as integrantes do GT Lígia Galbiati, Severiá Idioriê e Michelle Ferreti trouxeram apontamentos do que isso significa e para onde podemos ir.

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