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Onde está o gênero nas políticas climáticas?

ELABORAÇÃO: Jamille Nunes​
PUBLICADO EM: 30 de abril de 2021
Após produzir uma nota técnica analisando a presença de gênero em políticas e programas climáticos federais, as integrantes do GT Lígia Galbiati, Severiá Idioriê e Michelle Ferreti trouxeram apontamentos do que isso significa e para onde podemos ir.

As políticas climáticas federais são norteadoras de ações de impacto no nosso país. Embora haja outras esferas de atuação, é a partir do âmbito federal que as maiores mudanças podem ser feitas.

Em 2020, um dos frutos do GT de Gênero e Clima foi a nota técnica “Indicativos de Gênero em Políticas e Programas Climáticos na Esfera Federal“, e esta foi uma oportunidade de trazer novamente esse material ao centro e discutir horizontes a partir desse trabalho.

Lígia Galbiati, uma das elaboradoras da nota técnica, traz visões coletadas pelo círculo de Políticas Climáticas durante a pesquisa de palavras-chave em documentos federais. Não há a presença de palavras como “gênero“, “mulher“, “criança” ou “igualdade” no Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), por exemplo. A ausência se repete na Política Nacional Sobre Mudança do Clima.

Por outro lado, no Plano Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC) se encontram as palavras-chave “quilombo“, “povo“, “comunidade“, “indígena“, “vulnerável/vulneráveis” e “baixa renda“. Já as Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC) de 2016 apresentam comprometimento com direitos humanos e populações consideradas vulneráveis logo na primeira página, indicando a promoção de medidas também sensíveis às questões de gênero.

Embora pareça um avanço, Lígia destaca que em todos os documentos as palavras-chave estão concentradas em eixos e temáticas de vulnerabilidade. Isso coloca as populações como vítimas do clima, o que apaga relações de poder e reforça um entendimento de que a desproteção é algo natural. Uma mudança de ótica pode ser proposta se tratarmos esses grupos como “vulnerabilizados”, pois pressupõe a ação de outros nessa condição.

Outras necessidades para mudança incluem a inserção desses grupos em espaço de tomada de decisão e elaboração, para que suas pautas estejam presentes desde o início da construção dos documentos.

Além da participação, esses espaços precisam ser pensados para não reproduzirem hierarquias, com dinâmicas horizontais e que respeitem especificidades das populações envolvidas. Assim, não perdemos de vista que as alterações climáticas são percebidas e vivenciadas de formas diferentes.

Severiá Idioriê nos lembra, por exemplo, que pensar sobre os povos indígenas e em como eles se relacionam com a mudança climática é pensar, também, na diversidade existente entre eles. “Tem povos sem contato [com não-indígenas], povos que estão com contato há 20 anos e outros que estão com contato há 40 anos,” ela exemplifica.

Ela também aponta como instituições governamentais e organizações não-indígenas que tratam de gênero ou de clima precisam estar em contato com as redes de informações indígenas. Severiá reforça a necessidade de aproximação, para que os diálogos valorizem e fortaleçam saberes tradicionais e não reforcem visões equivocadas sobre os povos originários – como a visão de que indígenas impedem o “desenvolvimento” nacional e local. Ela traz um conselho conciso, “vamos trazer as redes para perto.

Fazendo um diagnóstico de por que as iniciativas públicas carecem de olhares que consideram gênero, Michelle Ferreira expõe que há uma certa divisão sexual do trabalho político: mulheres costumam trabalhar em secretarias de saúde e educação, áreas ligadas ao cuidado, sem presença massiva em finanças e ambientalismo, por exemplo.

Isso não significa que mulheres estejam ausentes da política. Primeiro, precisamos entender o que são esses espaços de governança, e se estamos falando de participação ou decisão.

Iniciativas como as Marchas das Mulheres Negras, das Margaridas e das Mulheres Indígenas derrubam essa ideia de ausência das mulheres de debates políticos. Porém, elas não são negociadoras em espaços institucionais, e quando adentram esses lugares, recebem ofensivas de políticos com discursos sexistas. “Essa violência é mais contundente contra negras, trans e indígenas, porque essas mulheres trazem propostas revolucionárias,” aponta Michelle.

Pensando em espaços de negociações climáticas, como o Acordo de Paris, as mulheres têm participação importante, mas as que chegam são homogêneas: brancas, com um recorte específico de escolaridade e classe.

De maneira geral, os planos de governo quando falam de questões ambientais, não abordam questões de gênero, raça, classe social, como declara Michelle. Mesmo quando as pessoas indígenas são chamadas para mesa, é para legitimar o que já está decidido, no lugar de incorporar seus conhecimentos.

Após essa conversa e diagnóstico inicial no GT, outras possibilidades se abrem para pensarmos a ampliação da pesquisa e o planejamento de ações de incidência para mudar esse cenário na prática.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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