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Transporte urbano não leva em conta desigualdade de gênero

ELABORAÇÃO: Tatiane Matheus*
PUBLICADO EM: 08 de novembro de 2020
97% das mulheres no Brasil já sofreram algum tipo de assédio sexual no transporte público

Todos deveriam ter direito à cidade, ao usufruto do espaço urbano e acesso aos serviços públicos. Mas, na prática, diferentes barreiras limitam esse acesso. Uma delas é imposta pelas políticas de transporte público “neutras”, isto é, que não levam em conta as diferentes necessidades e padrões de uso de homens e mulheres.

As mulheres são a maioria entre os usuários de ônibus na região metropolitana de São Paulo, segundo mostrou a pesquisadora Haydée Svab no estudo “Evolução dos padrões de deslocamento da região metropolitana de São Paulo” (2016). No metrô, elas passaram a ser maioria a partir de 1997.

A dinâmica de mobilidade dos homens costuma ser mais linear: da casa para o trabalho e vice-versa. Já as mulheres, por serem geralmente as maiores responsáveis pelas atividades parentais e familiares, também se deslocam com maior frequência pela cidade: levam os filhos para a escola, fazem compras, cuidam dos idosos da família etc. Fazem várias viagens, curtas, longas, com diferentes objetivos e em horários distintos. Por essa razão, são elas, e em especial as que moram nas periferias, as mais impactadas pelos problemas de mobilidade urbana: o alto custo das passagens, a baixa qualidade do transporte público, a baixa integração entre os distintos modais de transporte, as más condições das calçadas etc.

Sabe-se que as mulheres também fazem mais deslocamentos a pé do que os homens. A Pesquisa de Mobilidade na Região Metropolitana de São Paulo, conduzida pelo Metrô, revelou em 2020 que 32,5% das mulheres se deslocam a pé pela cidade, contra 29% dos homens. Outro estudo, desta vez realizado pela organização Mobilize Brasil, concluiu que nenhuma das 27 capitais brasileiras oferece condições mínimas para a circulação de pedestres em suas calçadas, ruas e faixas de travessia. Há, inclusive, uma quantidade imensurável de ruas que nem calçadas têm. Claro que a melhoria da circulação das mulheres nas cidades não virá apenas da melhoria das calçadas, mas estas são fundamentais para a segurança. 

É nesse quesito da segurança que, novamente, as mulheres estão mais expostas ao circularem na cidade. Além de serem mais suscetíveis a assaltos, correm também risco de outros tipos de violência. De acordo com pesquisa realizada em 2019 pelos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, 97% das brasileiras já sofreram algum tipo de assédio sexual no transporte público.

MEIO AMBIENTE, MOBILIDADE URBANA E GÊNERO

Mudanças no clima tendem a acirrar os problemas já vividos pelas pessoas. O aquecimento global deve aumentar os esforços femininos pelos cuidados com a casa e com familiares, sobrecarregando mais as mulheres, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Os impactos serão ainda maiores para as mulheres negras e pobres, com menos acesso aos recursos necessários para se adaptarem às mudanças climáticas (sejam eles físicos, capitais, financeiros, humanos, sociais ou naturais). Estima-se um aumento de doenças transmissíveis e de desnutrição pela redução da oferta de alimentos, além de mudanças nos padrões de incidência de alergias e doenças respiratórias. Novamente, isso exigirá mais das mulheres (visto que desempenham mais tarefas de cuidado) e intensificará a mobilidade urbana.

A baixa representatividade das mulheres brasileiras em cargos públicos se reflete na ausência de políticas públicas que levam em conta a desigualdade de gênero. Há mais mulheres (51,8%) que homens (48,2%) no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2019. Porém, no ranking de representatividade feminina no Congresso, por exemplo, o Brasil ocupa a 134ª posição entre 193 países pesquisados, com apenas 15% de participação de mulheres. São 77 deputadas em um total de 513 cadeiras na Câmara, e 12 senadoras entre os 81 eleitos, de acordo com o Mapa Mulheres na Política 2019, um relatório da Organização das Nações Unidas e da União Interparlamentar.

Apenas ao inserir mais mulheres nos espaços de tomada de decisão – bem como as reivindicações daquelas que mais vivenciam a desigualdade territorial e a violência institucional – que poderemos propor soluções inclusivas para os problemas da mobilidade urbana e para uma retomada verde econômica e social.

* Sobre a autora: Jornalista, pesquisadora no Instituto ClimaInfo e membro do GT de Gênero do Observatório do Clima.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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