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Quais são as formas de lutar por justiça climática?

ELABORAÇÃO: Jamille Nunes
PUBLICADO EM: 22 de março de 2021

Ana Rosa Calado, Deroní Mendes e Ana Carolina Barbosa nos contam quais são as formas, soluções e ferramentas de lutar por justiça climática – no feminino e no plural. Frentes de trabalho incluem a luta contra todas as desigualdades, a valorização dos saberes cotidianos e o uso de instrumentos jurídicos.

 Para falar em justiça climática, conceito que alia a temática de clima às estruturas e desigualdades da nossa sociedade, é preciso antes de tudo desmistificar os debates ambientais. É isso que Ana Rosa Calado, coordenadora do GT de Gênero do Engajamundo, aponta ao questionar diretamente: “quanto desse debate tem de cotidiano?

O assunto da mudança climática muitas vezes remete às narrativas específicas, de calotas de gelo se desprendendo a ursos polares em sofrimento. Essas são imagens verdadeiras, mas, além de distantes da realidade brasileira, também são insuficientes para mobilizar a sociedade.

Quando falamos sobre questões voltadas para o clima, precisamos falar de falta de saneamento, de educação e da população LGBT não ter direito o suficiente para sobreviver,” Ana Rosa completa. “Pauta climática é sobre a vida, a ação do ser humano no espaço.”

Segundo ela, para sensibilizar e mobilizar, precisamos falar do que toca na pele – dos diversos lugares em que as pessoas vivem. Uma consciência e discussão a partir do território em que moram suscita as questões mais imediatas que perpassam a sobrevivência, a qualidade de vida e o bem-estar.

Olhar para um território com lentes interseccionais (ou seja, se propondo a enxergar as desigualdades de gênero, classe e raça) deixa evidente, então, quais pessoas vivem naquele espaço, o tipo de acesso delas a serviços, bens e recursos. “Por exemplo, espaços de populações majoritariamente negras não são contemplados da mesma forma que espaços majoritariamente brancos,” Ana ressalta, trazendo um exemplo de racismo ambiental.

Sem observar essas questões e trazê-las para as pautas ambientais, as pessoas não se enxergam no debate, e o vêem como descolado de sua realidade.

Um próximo passo para aproximar a discussão da sociedade é entender e incorporar o conceito de desigualdade. Para Ana, “desigualdade não é só sobre acessos, mas também sobre autonomia, sobre a história de grupos vulneráveis e a construção de seus passos.” Isso demanda uma escuta atenta de populações historicamente marginalizadas e vulnerabilizadas, tais como comunidades tradicionais, povos indígenas, negros, quilombolas e populações LGBTs.

No sistema de poder que vivemos atualmente, algumas vivências são supervalorizadas e cuidadas, enquanto outras são silenciadas e ignoradas, colocando suas vidas em risco, em espaços para serem esquecidas,” Ana pontua.

 

Mas onde a história desses grupos encontra a pauta climática?

As pessoas que não estão dentro dessa lógica hegemônica são empurradas para margem, deixando elas mais vulneráveis para as mudanças climáticas,“ ela responde. “Isso faz com que o movimento seja por justiça social também.”

As alternativas para trazer corpos, experiências e territórios da margem para o centro das discussões passa, também, por ouvir e amplificar conhecimentos de quem vive, conhece as suas regiões e sente a mudança climática ao longo dos anos.

Deroní Mendes, mãe solo e geógrafa, filha de agricultores, nascida e crescida em comunidade tradicional no Mato Grosso, explica que não é possível para pesquisadores e organizações entenderem os efeitos da crise climática sem considerar a perspectiva de mulheres rurais. De acordo com Deroni, homens e mulheres têm percepções diferentes sobre o território.

Para ilustrar, quando eu pergunto pro meu pai quando foi a última enchente normal, ele me fala que foi em 1988, o ano que minha vó morreu. Minha mãe fala que foi em 1988, o ano que minha vó morreu, e eu comecei a estudar, então ela e minha outra vó ficaram sozinhas no sítio. Minha mãe traz vários elementos, como o fato de que só tinha um lugar seco pra enterrar minha vó. Meu pai fala de um jeito bem simplificado.

Ela explicita em outro exemplo como a mulher é a primeira a perceber transformações no território: “meu pai era o responsável por trazer comida, ia caçar. Ele sabe que na época da cheia, quando a lagoa enche, ele e meu irmão pegam peixe sem anzol, porque os peixes tão tentando ir pra outra parte do rio. Minha mãe, além de entender tudo isso, sabe quais os tipos de peixes que vêm, o tamanho dos peixes e o que tem dentro da barriga dos peixes. De uns tempos pra cá, a minha mãe foi a primeira a notar que o rio não tava enchendo na mesma época, que a diversidade de peixe diminuiu, que a barriga do peixe não tinha mais ova. A cheia do rio estava tão atrasada que os peixes já tinham desovado.

Deroni explica que o olhar dessas mulheres, mais atentos à época do ano, as fazem perceber as mudanças de fenômenos naturais. E que esses saberes são tão importantes e complexos quanto qualquer outro. “A mulher rural não é a que vai pro enfrentamento. Quem vai conversar com a prefeitura, em eventos, geralmente é o homem. Mas o homem precisa levar a perspectiva da mulher no que ele tá falando. Porque, geralmente, quem notou primeiro foi a mulher. A gente precisa captar esse olhar integrado das mulheres. Quem tá de fora, acha que as mulheres só fazem comida e cuidam dos filhos, e a dinâmica é mais que isso, tem toda uma complexidade por trás.

Para as mulheres que desejam participar dos enfrentamentos em espaços institucionais, como no poder público, além de contornar os machismos, é preciso saber quais as ferramentas estão disponíveis nesses lugares. Por isso, Ana Carolina Barbosa, advogada integrante do LACLIMA, destaca que devemos aprender o significado – e o uso – da litigância climática a nosso favor.

Para entender a litigância climática, precisamos entender direitos e deveres nossos como cidadãos. Assim, saberemos como e o que cobrar dos poderes público e privado.” afirma Ana Carolina, já reforçando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito previsto na Constituição Federal do Brasil.

A litigância climática funciona como instrumento estratégico de articulação nacional e global, que utiliza do Poder Judiciário para pressionar legisladores, gestores públicos e empresas a cumprirem suas responsabilidades legais no cenário climático.

Uma dessas responsabilidades é garantir à sociedade, além de uma vida digna e direitos fundamentais básicos, um meio ambiente equilibrado e justo. Os litígios climáticos servem, então, para pressionar o estado legislador, estado administrador e instituições privadas a executarem políticas comprometidas com a garantia de um clima adequado. Quando vemos que as emergências climáticas não estão sendo levadas a sério por esses atores, o judiciário é chamado para tomar atitudes.

Um dos primeiros exemplos de casos de litigância climática na América Latina foi uma ação ajuizada por 25 jovens, com idades entre 7 e 26 anos, representados pela ONG Dejusticia, contra órgãos do governo da Colômbia. O caso ficou conhecido como Gerações Futuras contra o Ministério do Meio Ambiente e outros. No julgamento, em 2018, a justiça colombiana reconheceu a omissão estatal no controle do desmatamento e determinou a formulação de planos de ação adequados ao compromisso assumidos pelo governo no Acordo de Paris.

Embora seja uma ferramenta importante, Ana Carolina ressalta que esse tipo de ação deve ser feita de maneira estratégica. “A litigância é um instrumento que deve ser usado com parcimônia, porque o nosso poder judiciário sofre uma série de pressões e questões. Ela não é uma solução para todos os problemas.

Dessa maneira, pelo olhar de três mulheres atuantes em diferentes cenários, percebemos que existem muitas formas de atuar a favor da justiça climática, trazendo para essa questão saberes, vivências e habilidades diversas. Por intermédio do GT de gênero e clima, buscamos produzir conhecimento e conscientização sobre a temática pelo viés do território, das interseccionalidades estruturais e da litigância. Assim, avançaremos cada vez mais rumo à mobilização da comunidade do clima diante das pautas existentes – e urgentes – de justiça social.

Esse texto foi baseado no evento interno do GT de Gênero e Clima, “Justiças climáticas: no feminino e no plural”, em 19/04/21, onde as três foram convidadas para compartilhar seus saberes.

Ana Carolina é advogada, integrante da rede LACLIMA e tem forte experiência tributarista. Ana Rosa é pedagoga, ativista e coordenadora do GT de gênero do Engajamundo. Deroní Mendes é coordenadora do programa Direitos Socioambientais do Instituto Centro de Vida (ICV).

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Onde está o gênero nas políticas climáticas?

Após produzir uma nota técnica analisando a presença de gênero em políticas e programas climáticos federais, as integrantes do GT Lígia Galbiati, Severiá Idioriê e Michelle Ferreti trouxeram apontamentos do que isso significa e para onde podemos ir.

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