#Relatório

EXISTE CLIMA PARA GÊNERO NAS ELEIÇÕES?

ELABORAÇÃO: ALESSANDRA MATHYAS, DANIELLE LINS, FRANCISCA DA SILVA, ISADORA ZONI, JAMILLE NUNES, JAQUELINE SORDI, JOANA AMARAL, JOCI AGUIAR, JÚLIA CAMPOS, LARA ZAMPARO, LÍGIA GALBIATI, MONICA PEREIRA, NARA PEROBELLI E RAYANA BURGOS.
PUBLICADO EM: 06 de março de 2021

 

Acesse a íntegra do documento aqui.

1. APRESENTAÇÃO

Este documento é um relato do Grupo de Trabalho de Gênero e Clima, do Observatório do Clima, para compartilhar nossas experiências durante o segundo semestre de 2020 sobre as relações entre Mudanças Climáticas e Gênero no âmbito das eleições e gestões municipais. 

Para conhecer o entendimento de candidatos e candidatas sobre a temática, realizamos uma coleta de percepções sobre mudanças climáticas, gênero e a relação entre ambos. A pesquisa decorreu de 22 de outubro a 17 de novembro de 2020, por meio de formulário. A partir de uma concepção coletiva, com depoimentos dos participantes da pesquisa e de comentários de especialistas de nosso grupo de trabalho, apresentamos os resultados de uma discussão sobre o que é mudança climática, o que é gênero e como essas pautas se relacionam. 

Promovemos também o webinar “Existe clima para gênero nas eleições?” no dia 06 de novembro de 2020. Tratou-se de um espaço virtual de debate que contextualizou o tema e trouxe exemplos práticos e ferramentas úteis para inspirar a atuação em nível local. O registro escrito do webinar está presente neste documento, com um link para assistir o conteúdo completo em vídeo. 

Consideramos o município um agente importante de mudança, mas que precisa estar preparado e capacitado para ela. A territorialização é um princípio indispensável para guiá-lo nesse sentido. Para nós do GT, é essencial a atuação no campo da política como forma de promover a agenda de gênero e clima. Por isso, pretendemos continuar e ampliar nossos trabalhos dentro desse escopo.

2. FORMULÁRIO

Para conhecer o que candidatos e candidatas pensam sobre mudanças climáticas, gênero e a relação entre ambos, realizamos uma pesquisa baseada na coleta de percepções. Ela decorreu de 22 de outubro a 17 de novembro de 2020, por meio de formulário (Anexo A). A partir dos depoimentos dos participantes e de comentários de especialistas do nosso grupo de trabalho, sistematizamos uma discussão sobre mudança climática, gênero e como essas pautas se relacionam.

2.1. PANORAMA DAS RESPOSTAS

Foram coletadas 39 respostas fornecidas por candidatas/os (quase 60%), candidaturas coletivas (33,3%) e assessoria e apoiadores (7,7%) de nove estados: São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Pará, Rio Grande do Norte e Bahia. 

Desses participantes, mais da metade se identificou como mulher cisgênero, seguido por homem cisgênero (41%), duas pessoas não binárias e uma candidatura coletiva com pessoas cis e transgêneras. Em relação à sexualidade, a maioria se declarou heterossexual (89%), duas pessoas preferiram não responder, uma pessoa se declarou bissexual, e uma candidatura coletiva se declarou composta por mulheres e homens heterossexuais e gays. Três do total de candidaturas estavam compostas por pessoas com deficiência auditiva (uso de libras), visual e física. 

Mais de 50% das pessoas que responderam ao formulário se consideravam brancas, quase 30% pardas, mais de 12% pretas ou negras, e em uma candidatura coletiva as pessoas se declararam pretas, pardas, indígenas e brancas. Quase 8% dos respondentes faziam parte de grupos ou comunidades tradicionais, sendo duas pessoas indígenas e uma negra. 

Para a maioria dos participantes, aquela era a primeira vez que disputavam uma eleição (66,7%). Quase 77% nunca haviam participado de um mandato antes. Entre aqueles que participaram, 10,3% possuíam experiência nos poderes legislativo e executivo, 7,7% apenas no legislativo e 5,1% apenas no executivo. Quase 75% dos respondentes participavam de algum movimento social ou comunitário, em sua maioria relacionados à questão ambiental ou feminista. 

No momento em que responderam ao formulário, 64,1% das candidaturas ainda estavam discutindo suas propostas de mandato com apoiadores, 28,2% já possuíam propostas em documento final e 7,7% possuíam apenas ideias. Entre as propostas de mandato, cerca de 70% articulavam gênero e mudança do clima, mais de 15% se relacionavam à mudança do clima e 5,1% tratavam apenas de gênero. 

Das candidaturas que possuíam propostas relacionadas à intersecção entre gênero e clima, esse tema tinha alta prioridade (notas 8, 9 ou 10) para a maioria das/os respondentes (77,7%). Já entre as candidaturas que não possuíam essa intersecção em suas propostas, mais de 75% se declararam dispostas a incluir o tema.

Dentre os materiais melhor avaliados para apoiar as campanhas eleitorais, estavam, por ordem: vídeos, chamadas para redes sociais, guias e e-books. Os principais temas de interesse elencados para compor esses materiais foram: saneamento básico, educação municipal, mobilidade urbana e direito à cidade, justiça climática, soberania alimentar, saúde e povos indígenas.

3. CANDIDATURAS RESPONDEM

O formulário trazia algumas perguntas abertas em relação à mudança climática, gênero e a intersecção entre ambos temas. Os textos abaixo foram construídos a partir da sistematização das respostas, buscando preservar ao máximo sua essência. Eles representam a opinião de um conjunto específico de candidaturas, e não necessariamente a visão do Observatório do Clima. Em todo caso, as respostas são  importantes e reveladoras acerca da visão local dessas temáticas. 

A fim de aprofundar as reflexões, adicionamos em destaque esclarecimentos sobre assuntos específicos relacionados a cada uma das perguntas. Eles foram elaborados por participantes do Grupo de Trabalho em Gênero e Clima do Observatório do Clima. 

3.1. O QUE VOCÊ ENTENDE POR “MUDANÇA CLIMÁTICA”?

Mudança climática é uma das facetas do desequilíbrio ambiental e se caracteriza como a maior crise que a humanidade já enfrentou, pois seus impactos afetam desde a produção de alimentos até o aumento do nível do mar. Trata-se da mudança dos padrões climáticos (temperatura e regime de precipitação) na qual fenômenos antrópicos (causados pelos seres humanos) interferem no meio ambiente e criam novos padrões negativos à vida na Terra.  

No meio ambiente, tudo está interligado e todas as nossas ações têm impactos. A mudança do clima é causada por um estilo de vida desconectado e descompromissado com o meio ambiente e pelo uso imprudente e não sustentável de seus recursos naturais.

Ela é fruto de diversas alterações que o homem proporcionou durante a sua história na Terra e se tornou o efeito sistêmico de um modo de produção e consumo desenfreado, construído na hegemonia eurocêntrica. Nos últimos anos isso tem se intensificado bastante, principalmente com a industrialização do trabalho, quando começamos a  olhar para a natureza como um meio de se fazer dinheiro, extraindo tudo o que lhe é possível. O alto índice de desmatamento e a ausência de políticas públicas de conservação e preservação da biodiversidade contribuem para esse resultado. 

Por natureza, a mudança climática se constitui como um tema global: cada alteração que fazemos aqui impacta o clima do mundo inteiro e por isso deve ser pensada de forma global, mas trabalhada em nível local. Dentre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, o nº 13 fala justamente sobre esse tema:  precisamos adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos. 

Esses impactos podem se manifestar no derretimento acelerado das calotas polares e consequente aumento do nível do mar, períodos de secas extremas e, em outros lugares, aumento do índice pluviométrico, queimadas, alterações de biomas, estações que não correspondem ao clima esperado etc.

Nos municípios, a crise climática está afetando a forma como vivemos, nos alimentamos, nos locomovemos, e tem ainda maiores consequências sobre a população de baixa renda. A revisão de um Plano Diretor, por exemplo, pode interferir diretamente no processo das mudanças climáticas que vivemos no mundo e em nossa cidade.

O fato é que precisamos de transformações culturais, sociais e políticas profundas para tentar reverter essas ações. É preciso mudar a forma como consumimos, como nos relacionamos com o mundo e com nós mesmos. Os seres se fortalecem quando estão conectados. Precisamos reorganizar nossas cidades a partir das nossas águas e da regeneração do nosso planeta. E isso passa pelo lugar onde moramos. 

DE OLHO NO 1,5°C

Quando se fala em mudança climática, vez ou outra aparece um tal de “1,5 grau Celsius”. Afinal, o que ele representa?

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) existe desde 1988 e é composto por um grupo de cientistas renomados que estudam o tema, buscam soluções para ele e compartilham seus conhecimentos principalmente por meio da publicação de relatórios.

Em 2018, o IPCC utilizou modelos científicos embasados em mais de 6 mil estudos para alertar que um aumento da temperatura global acima de 1,5 ºC trará efeitos catastróficos para os ecossistemas e a vida no planeta. Entre esses efeitos, estão a extinção de espécies, a redução na produção de alimentos, entre outros.

Até a publicação em 2018, o alvo dos governantes deveria ser de 2 ºC, valor estipulado durante o Acordo de Paris (maior e mais ambicioso acordo climático entre países, firmado em 2015). A partir desse novo cenário, torna-se essencial recalcular a rota, focando em uma redução maciça das emissões de gases de efeito estufa.

Nesse Acordo, 195 países se comprometeram com metas nacionais para redução de gases causadores da mudança climática. O Brasil foi um deles, com uma meta de reduzir as emissões em 37% em relação ao que emitia em 2005. A data limite é 2025, com indicativo de reduzir 43% das emissões até 2030. Para alcançar esse valor, o Brasil se comprometeu a:

  • Aumentar a participação da bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18%;
  • Fortalecer o cumprimento do Código Florestal;
  • Restaurar 12 milhões de hectares de florestas;
  • Alcançar desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira;
  • Ampliar para 45% a oferta de energias renováveis na matriz energética (transporte e eletricidade);
  • Obter 10% de ganhos de eficiência no setor elétrico;
  • Promover o uso de tecnologias limpas no setor industrial;
  • Estimular medidas de eficiência e infraestrutura no transporte público e áreas urbanas.

Apenas ações coordenadas de todos os setores da sociedade e em níveis federativos do governo serão capazes de tornar essa meta uma realidade. Nessa missão, os municípios têm um papel essencial.

Referências: Relatório “Aquecimento Global de 1,5 ºC”, IPCC; G1.

ODS? É DE COMER?

ODS? É DE COMER?

Os ODS são 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2015.

Nessa agenda, onde cada objetivo foi subdividido em metas, estão previstas 169 ações mundiais para a construção e implementação de políticas públicas nas áreas sociais, ambientais, econômicas e institucionais até 2030.

Esse plano tem como objetivo acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.

Referências: Agenda 2030.

3.2. O QUE VOCÊ ENTENDE POR “GÊNERO”?

Gênero é um termo que nos endereça à discussão sobre a estrutura social, em suas infinitas correlações, com papéis esperados por homens, mulheres e pessoas não binárias nas relações sociais. É uma construção social que deriva da forma como a nossa sociedade entende a função ou comportamento esperado de alguém com base em seu sexo designado no nascimento. Isso se traduz em uma expectativa de comportamentos, atitudes e/ou posições sociais para determinados indivíduos, conforme padrões previamente determinados.

A hegemonia do patriarcado construiu ideias hierarquizadas sobre o masculino e o feminino, oprimindo as pessoas identificadas com o gênero feminino. Um exemplo são as riquezas formais e informais produzidas pelas mulheres que, embora possuam uma carga de trabalho alta, não detém a riqueza produzida e nem têm suas contribuições contabilizadas na economia clássica. Além disso, historicamente, elas são as guardiãs do modelo de vida natural, coletivo, comunitário. 

Este é um debate que necessita ser incorporado em todos os processos em uma perspectiva de reconhecimento, respeito e valorização da identidade das pessoas. É preciso ser o que se é. Aceitar o outro.

GÊNERO NÃO É…

  • O mesmo que sexo biológico: a partir das discussões de autoras feministas da década de 70, entende-se que não existe uma natureza biológica universal que define como mulheres e homens pensam e agem. Esses papéis são construídos socialmente, sempre um em relação ao outro.
  • Um sistema binário: expressões de gênero podem ir além do que chamamos exclusivamente de homens e mulheres. Sistemas não-binários de gênero são reconhecidos, por exemplo, na Austrália, Nova Zelândia, Alemanha, Índia, Paquistão, Nepal e Bangladesh, países que admitem um terceiro gênero. Esse terceiro gênero pode representar um estado intermediário entre homens e mulheres, um estado onde são ambos, são neutros, ou ainda uma categoria independente do masculino e feminino.
  • Um sistema de categoria universal: uma vez que ele não se define por características biológicas, mas sim por construções sociais, gênero e as relações de poder resultantes dele emergem de diferentes maneiras, em diferentes grupos e populações. Assim, as categorias de gênero não se definem por si só, elas são construídas em relação umas às outras.

A  construção da identidade de um sujeito é atravessada por outros marcadores além do sistema de gênero, dentre eles sua raça, classe social, etnia, localização geográfica, idade, entre outros. Esses marcadores, chamados de marcadores de diferença, também definirão outras relações de poder que se entrelaçam com as relações marcadas pelo gênero.

GÊNERO É…

De acordo com a autora Joan Scott, gênero pode ser entendido como elemento que define as relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos biológicos. Além disso, gênero também dá significado às relações de poder. Isso quer dizer que as diferenças de gênero estruturam hierarquias e, portanto, estabelecem relações estruturais de subordinação, dominação e desigualdade.

Referências 

BUTLER, Judith; TROUBLE, Gender. Feminism and the Subversion of Identity. Gender trouble, v. 3, p. 1-25, 1990.

CABRERA, Marta; MONROY, Liliana Vargas. Transfeminismo, decolonialidad y el asunto del conocimiento: inflexiones de los feminismos disidentes contemporáneos. Universitas humanística, v. 78, n. 78, 2014.

FAUSTO-STERLING, Anne. Dualismos em duelo. cadernos pagu, n. 17-18, p. 9-79, 2002.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & realidade, v. 20, n. 2, 1995.

OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceptualizing Gender: The Eurocentric Foundations of Feminist Concepts and the challenge of African Epistemologies. African Gender Scholarship: Concepts, Methodologies and Paradigms. CODESRIA Gender Series, v. 1, p. 1-8, 2004.

3.3. QUAL A RELAÇÃO ENTRE “MUDANÇA CLIMÁTICA” E GÊNERO?

Ambas decorrem de uma maneira de pensar o mundo e as relações sociais. O estilo de vida e a forma de exploração das fontes naturais estão relacionadas à forma de condução de política das nações, que é marcada pela hegemonia masculina. Não se pode tratar essas duas questões de forma fragmentada; ao contrário, são lutas e processos integrados.

As ações e intervenções humanas no equilíbrio do meio ambiente são tão cruéis e desprovidas de senso de respeito, justiça e cuidado, quanto às relações sociais permeadas pela opressão de gênero, onde o patriarcado e o machismo estrutural na sociedade validam a violência e desrespeito aos valores, os desejos e necessidades materiais e subjetivas dos indivíduos.

As pessoas em situação de vulnerabilidade são as mais afetadas pela crise climática.  Trata-se de uma relação direta, que alia classe, raça e gênero com a pauta climática. Exclusões como segregação urbana, menor acesso ao saneamento, água potável, moradia digna, entre outros efeitos, serão amplificadas pelos efeitos da mudança climática. Inundações, tormentas, frio e calor extremo, aumento do nível do mar e outros impactos afetarão ainda mais os que já estão expostos.

Em relação a isso, é sabido que às mulheres, estruturalmente, têm sido delegados os cuidados com a casa e com familiares. Com as mudanças climáticas, aumentarão os esforços de cuidado, colocando ainda mais tarefas sobre os corpos femininos. Mundialmente, o acesso a recursos (capital, físico, financeiro, humano, social e natural) acontece de maneira desigual na sociedade, em formato de pirâmide (homem branco, mulher branca, homem negro, mulher negra, inclusive sem considerar as pessoas não binárias e indígenas). 

Ou seja, as mulheres terão menos acesso a recursos para se adaptarem à mudança climática, uma vez que tal mudança, como a pandemia da Covid-19, potencializa as desigualdades já existentes. Em vários locais do mundo, aumentará o número de doenças relacionadas às transformações no clima, como malária, hepatite A, cólera, diarreia, leptospirose, além do aumento da desnutrição como consequência da redução da oferta de alimentos de qualidade. 

Tais eventos aprofundarão as funções de cuidado, hoje realizadas majoritariamente pelas mulheres, pressionando o seu dia a dia e dificultando, por exemplo, que elas trabalhem fora de casa, uma vez que terão inúmeras funções a serem cumpridas na rotina.

Embora as principais afetadas pelo clima sejam as mulheres pobres em países menos desenvolvidos, são também as que menos contribuem para o aquecimento global e que buscam combatê-lo. Historicamente, as mulheres têm sido as guardiãs da vida natural por serem, por exemplo, protetoras das sementes.

Nós, mulheres indígenas, lutamos diariamente para reverter as mudanças climáticas ou minimizar seus impactos. Nós vivenciamos as mudanças climáticas com as alterações nas nossas plantações, no nosso artesanato, nas cheias e nas secas severas pelas quais temos passado, com a alteração das nossas vidas. 

Para superarmos essa condição, precisamos entender que todo tipo de opressão gera resultados negativos. Garantir o lugar de fala de cada ser do planeta nos fortalece e nos indica caminhos de transformação.

4. WEBINAR

4.1. MEMÓRIA

O webinar “Existe clima para gênero nas eleições” foi promovido pelo Grupo de Trabalho (GT) de Gênero e Clima do Observatório do Clima no dia 06 de novembro de 2020. Participaram da mesa as líderes comunitárias Danielle Lins, do Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste do Recife/PE, e Francisca da Silva, representando o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e o GT Agenda 2030. 

Também estiveram presentes: Julia Campos, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Rayana Burgos, membro da Youth Climate Leaders (YCL). A mediação foi de Lígia Galbiati, doutoranda em Ambiente e Sociedade pela Universidade de Campinas (UNICAMP), enquanto as boas-vindas ao espaço foram feitas por Joana Amaral e Joci Aguiar, do Observatório do Clima (OC).

Joana Amaral, coordenadora-executiva do Observatório, explicou o significado do evento: “Esse encontro foi fruto de um processo de diálogo de diferentes organizações com candidatas e candidatos sobre como inserir as pautas de clima e gênero no debate público. É, mais do que tudo, um processo de conhecimento coletivo sobre esses assuntos. O GT se coloca, assim, como um espaço de articulação e formação coletiva”. Joci Aguiar, também da coordenação do OC, explicou o contexto de criação deste coletivo e por que a incidência política é um caminho fundamental: “Enxergamos os espaços de tomada de decisão e as políticas públicas como elementos essenciais para redução das desigualdades de gênero e promoção da equidade em um cenário de mudança climática”.

Ao iniciar o espaço, Lígia Galbiati esclareceu como a relação entre gênero e clima é fruto de uma maneira de pensar o mundo e as relações sociais: “As exclusões atualmente materializadas em uma segregação urbana, menor acesso ao saneamento, água potável, moradia digna, entre outros, serão amplificadas pelos efeitos da mudança climática”. Os municípios precisam reconhecer que os efeitos desse cenário se apresentam de modo diferente para os diversos grupos e, portanto, as políticas públicas precisam considerar essas particularidades.  

Nos depoimentos das líderes comunitárias Danielle Lins e de Francisca da Silva (mais conhecida como “Xica”), foram relatadas situações de violência e abusos domésticos relacionados a gênero, mas que mesmo assim não contiveram as lutas das mulheres pelo coletivo. Elas deixaram evidente o quanto políticas públicas acolhedoras são fundamentais nos municípios para que as mulheres conheçam seus direitos e sigam em frente. 

Danielle e o Coletivo desenvolvem a campanha “Voto Livre”, que busca educar os moradores da comunidade de Caranguejo Tabaiares sobre a importância de exercerem livremente seu direito ao voto de não aceitarem a compra do mesmo. Ela ressaltou uma das relações entre esse tema e a questão de gênero: “Quando a fome chega, é a mãe quem sofre mais”.  

Por sua vez, Xica trouxe a importância da representatividade política local genuína, da necessidade de empoderamento e capacitação. Em seu trabalho com mulheres candidatas, ela faz a ponte entre estas e os serviços de assistência jurídica e contábil. É uma forma de garantir que as mulheres tenham informações e apoio necessário durante e após a campanha. Segundo Xica, muitas são convidadas a integrar os partidos apenas para cumprir a cota feminina de 30% nos fundos partidários e, muitas vezes, não estão a par dos procedimentos legais e contábeis que uma candidatura exige. 

Julia Campos (Imaflora) apresentou o projeto Pira no Clima, uma iniciativa no município de Piracicaba/SP. Ela também destacou como os princípios de gênero conduzem a construção do Plano Climático Participativo, em desenvolvimento, que inclui atividades formativas e culturais e traz a riqueza da representatividade local. Julia falou da importância de respeitar as particularidades de cada grupo e buscar uma maior inclusão: “É necessário ir até as pessoas vulneráveis, as pessoas que estão na ponta”.  

Já Rayana Burgos reforçou o papel de vereadores e prefeitos e apresentou  ferramentas existentes dentro do Poder Municipal para implementar políticas públicas em diálogo com questões socioambientais, como os orçamentos públicos e planos diretores. Ela também salientou maneiras de incluir ações climáticas na definição de políticas públicas de educação, saúde, saneamento, moradia, assistência social e cultura, entre outras áreas. 

Por fim, houve um momento destinado a perguntas e comentários e o espaço encerrou-se trazendo a mensagem de que aquele era apenas o início dos trabalhos sobre gênero e clima nas políticas. O GT pretende manter sua atuação e fomentar essa pauta nos espaços de decisão. 

Clique aqui e assista ao webinar “Existe espaço para gênero e clima nas eleições?”

5. POR QUE GÊNERO E CLIMA?

UM MANIFESTO DO GRUPO DE TRABALHO GÊNERO E CLIMA DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA

A mudança do clima é global, mas não atinge igualmente todas as pessoas. As condições materiais e históricas de um indivíduo e do grupo social em que se encontra influenciam seu grau de resiliência às mudanças e quão adaptáveis os sujeitos podem ser.

Construir uma sociedade sustentável em todas as suas dimensões é um dos princípios do Observatório do Clima, e entendemos que é impossível chegar lá sem combater as desigualdades de gênero, raça, classe e outras mais. 

Não são apenas fatores climáticos que definem sua chance de sobreviver a um tsunami ou ter sua voz ouvida em uma negociação internacional sobre clima – onde você se insere no tecido social também. Da mesma forma, a equidade não terá condições de ser alcançada por lutas sociais que se desenvolvam em terra arrasada, sem ecossistemas que permitam a vida e sua reprodução.

No mundo, mas especialmente no Brasil, falar de gênero é falar de raça, classe, etnia, origem, e outras tantas questões. Isto é, aspectos que socialmente limitam ou privilegiam certas pessoas e grupos. Neste país, também a questão ambiental tem sido há séculos permeada por embates desiguais.

Saber que as desigualdades sociais e a mudança do clima são construções humanas interconectadas é perceber que é nossa responsabilidade reverter esse cenário. 

Que as questões de gênero e todas as suas intersecções sejam refletidas nas discussões ambientais – das delegadas que vão à Conferência do Clima da ONU aos meteorologistas nas universidades. E que o combate à mudança climática permeie todas as lutas e os diversos grupos sociais – das mulheres indígenas no Amazonas aos transexuais urbanos.

Apenas assim atingiremos a tão sonhada sociedade sustentável.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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