Indicativos de Gênero em Políticas e Programas Climáticos na esfera Federal

Indicativos de Gênero em Políticas e Programas Climáticos na esfera Federal

#NotaTécnica

Indicativos de gênero em políticas e programas climáticos na esfera federal

ELABORAÇÃO: JÚLIA CAMPOS, KAREN SUASSUNA, LÍGIA GALBIATI, NARA PEROBELLI
PUBLICADO EM: 06 março de 2021
REVISADO EM: 11 de março de 2021

 

Acesse a íntegra do documento aqui.

1. SUMÁRIO EXECUTIVO

  • As alterações climáticas são percebidas e vivenciadas de formas diferentes pelas pessoas em todas as partes do mundo, segundo o gênero, classe, raça, etnia, localização geográfica, idade, entre outros fatores;
  • Olhar a crise climática sob uma perspectiva transversal e de gênero ajuda a entender as vulnerabilidades específicas de mulheres e populações minoritárias e a propor soluções;
  • A esfera federal de governo tem um papel importante na elaboração de legislações, políticas e diretrizes que definirão a maneira como o país enfrenta essa problemática;
  • Apesar de as políticas climáticas federais, ao longo do tempo, terem se tornado mais sensíveis às questões de gênero e étnico-raciais, elas ainda tendem a reduzir esses grupos apenas à sua vulnerabilidade, ignorando os seus saberes e contribuições para o combate às mudanças climáticas;
  • A formulação de documentos que subsidiarão as decisões governamentais precisa incluir esses grupos desde o início: dar-lhes voz e protagonismo na agenda climática e na elaboração das políticas públicas. Afinal, são essas parcelas da população que mais tendem a sofrer com os efeitos da mudança do clima, e com elas temos muito a aprender.

2. INTRODUÇÃO

As emissões de gases de efeito estufa pela ação humana vêm alterando o sistema climático global, e essas alterações são sentidas e vivenciadas de formas diferentes por diversas mulheres e homens, em todas as partes do mundo. A crise climática, para além de uma crise ambiental, define também uma crise social, política e econômica. Tratar de todas essas dimensões humanas é essencial para elaborar soluções efetivas e transformadoras.

A forma como o ser humano se relaciona com o ambiente não é universal: varia segundo a sua cultura, idade, localização, etnia, raça e gênero. A ótica de gênero traz aspectos importantes para entender as causas e efeitos da mudança climática. Esse tipo de abordagem vem sendo cada vez mais reforçado nos espaços internacionais, como é o caso da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

As relações de gênero definem relações de poder entre homens e mulheres, que se expressam em diferenças materiais entre os sexos: seja nos meios de subsistência, nos papéis de trabalho ou no acesso desigual a recursos. Devido a essas desigualdades estruturais, diversos estudos apontam que as mulheres estão mais sujeitas aos efeitos negativos da crise climática

No entanto, não basta tratar o problema apenas com um recorte de gênero. Temos que considerar também a classe, raça, idade, cultura, localização geográfica e etnia da sociedade brasileira e das mulheres. Há um grande potencial de contribuições de grupos socialmente marginalizados: novos olhares, saberes e práticas que muitas vezes não são perceptíveis para os sujeitos que ocupam os espaços de tomada de decisão e de formulação de políticas. 

As soluções para a questão climática, portanto, são complexas. Envolvem diferentes níveis de atuação, setores e sujeitos da sociedade. Dentre eles, destaca-se o poder público federal. É ele o responsável pelas articulações no âmbito internacional, pela criação de legislações, diretrizes, instituições e modos de governança, como as políticas públicas. Considerar todas as dimensões humanas de que falamos é a única forma de garantir que as políticas climáticas sejam efetivas e contribuam para construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Este documento propõe verificar se existem e como se apresentam as questões relativas a gênero e a populações étnico-raciais nas legislações, políticas e programas federais sobre mudanças climáticas.

3. MÉTODO

Para verificar a existência e o tipo de abordagem do tema, nossa pesquisa baseou-se em um levantamento de legislações, planos e políticas governamentais sobre as mudanças climáticas. Elas foram extraídas das páginas oficiais do Ministério do Meio Ambiente, principal órgão responsável pela formulação e implementação das políticas do setor. A partir desse levantamento, identificamos os marcos regulatórios a respeito das mudanças climáticas. São eles: 

Entre os anos 2007 e 2016 foram elaborados os principais documentos relacionados à governança climática na esfera federal brasileira: 

  • Decreto nº 6263/2007: instituiu o Comitê Interministerial sobre Mudanças Climáticas para orientar o desenvolvimento e implementação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima; 
  • Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC); 
  • Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA).

Além disso, em 2016, o governo brasileiro apresentou ao secretariado da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima suas contribuições nacionalmente determinadas (iNDCs) para o Acordo de Paris, adotado na 21ª Conferência entre as Partes (COP-21).

Também pesquisamos os termos afins às temáticas de gênero nos seguintes documentos: Plano Nacional sobre Mudança do Clima, Política Nacional sobre Mudança do Clima, Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima e Contribuições Nacionalmente Determinadas. 

Durante o levantamento, utilizamos as seguintes palavras-chave: Gênero; Mulher; Menina; LGBT; Igualdade; Equidade; Criança; Raça; Negro/negra; Quilombo/quilombola; Etnia; Povos; Comunidade; Indígena; Vulnerável/vulneráveis; Refugiado; Imigrante; Periferia/periférica; Favela e Baixa renda. A pesquisa tratou de verificar a quantidade de ocorrência dos termos e de identificar os contextos nos quais eles foram apresentados. 

4. RESULTADOS

Os resultados são aqui apresentados por meio de uma tabela para cada documento. Ela contém apenas as palavras que foram mencionadas nos textos. O leitor poderá encontrar o número de menções e a seção dos documentos em que a menção ocorre, além de alguns trechos para exemplificar o contexto no qual os termos aparecem. No caso dos documentos com poucas menções, não será apresentada tabela, apenas os trechos em destaque.

4.1. POLÍTICA NACIONAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA

As únicas palavras-chave localizadas no texto da lei foram “Comunidade”, no âmbito do artigo terceiro, e “Vulneráveis”, no âmbito do artigo quarto.

Art. 3o. A PNMC e as ações dela decorrentes, executadas sob a responsabilidade dos entes políticos e dos órgãos da administração pública, observarão os princípios da precaução, da prevenção, da participação cidadã, do desenvolvimento sustentável e o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, este último no âmbito internacional, e, quanto às medidas a serem adotadas na sua execução, será considerado o seguinte:

III – as medidas tomadas devem levar em consideração os diferentes contextos socioeconômicos de sua aplicação, distribuir os ônus e encargos decorrentes entre os setores econômicos e as populações e comunidades interessadas de modo equitativo e equilibrado e sopesar as responsabilidades individuais quanto à origem das fontes emissoras e dos efeitos ocasionados sobre o clima; 

Art. 4o. A Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC visará:

V – à implementação de medidas para promover a adaptação à mudança do clima pelas 3 (três) esferas da Federação, com a participação e a colaboração dos agentes econômicos e sociais interessados ou beneficiários, em particular aqueles especialmente vulneráveis aos seus efeitos adversos; 

A citação apresenta de forma superficial a ideia de vulnerabilidade: sem explicitar quais são esses agentes sociais vulneráveis, nem discutir a vulnerabilidade sob a perspectiva étnico-racial e de gênero.

4.2. PLANO NACIONAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA (PNMC)

As palavras-chave encontradas no texto foram: “Quilombo”; “Povo”; “Comunidade”; “Indígena”; “Vulnerável/vulneráveis” e “Baixa renda”.

Tabela 1. Palavras-chave mencionadas no texto, quantidade de menções e seção do documento Plano Nacional sobre Mudança do Clima.

Palavra-chave Quantidade de Menções Seção do documento
Quilombo/quilombola 1 IV – 4 EDUCAÇÃO, CAPACITAÇÃO E COMUNICAÇÃO 
Povo 1 IV – 2 FLORESTAS, OUTROS BIOMAS E AGROPECUÁRIA 
Comunidade 1 IV – 2 FLORESTAS, OUTROS BIOMAS E AGROPECUÁRIA 
Indígena 3 IV – 2 FLORESTAS, OUTROS BIOMAS E AGROPECUÁRIA 
Vulnerável/vulneráveis 1 INTRODUÇÃO 
Baixa renda 1 IV – 1 ENERGIA 

O termo “vulneráveis” foi citado na Introdução do Plano:

A necessidade de fortalecer as ações intersetoriais decorre do fato de que a atual vulnerabilidade da população influencia na sua capacidade de responder às consequências da mudança do clima. Identificar os grupos populacionais mais vulneráveis, que não estão preparados para fazer frente a esses impactos, e promover ações voltadas para fortalecer a resiliência desses grupos são fundamentais para criar estratégias de adaptação eficazes. (BRASIL, 2009, p. 13) 

As outras cinco palavras-chave foram localizadas no Capítulo IV – Oportunidades de Mitigação, em diferentes seções, como apresentado abaixo.

“Quilombo” e “indígenas” foram mencionados na seção Educação, capacitação e comunicação, item Ações de Educação Ambiental:

Foram produzidos 106 mil exemplares de um conjunto de materiais didáticos entre os quais consta um livro sobre Mudanças Ambientais Globais – Pensar + agir na escola e na comunidade. A distribuição foi feita para as 58 mil escolas do Ensino Fundamental (6ª a 9ª séries), além de 6 mil escolas localizadas em comunidades indígenas, quilombolas e de assentamentos rurais (BRASIL, 2009, página 113).

As palavras-chave “povo”, “comunidade” e “indígena” foram citadas na seção Florestas, outros biomas e agropecuária, com “povo” e “comunidade” inseridos na seção Aumento da Sustentabilidade da Agropecuária –  Fixação de Preço Mínimo de Produtos de Extrativismo (ações voltadas aos povos e comunidades tradicionais), e “indígena” na seção Conservação dos Biomas – a) Ações em Implantação – Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM).

A última menção das palavras-chave foi “baixa renda”, na seção Energia, item Redução de Consumo de Energia – Programa de Substituição e Promoção do Acesso à Refrigeradores Eficientes.

A exemplo de programas já realizados em alguns estados da Federação, este visa à substituição de equipamentos antigos por equipamentos eficientes, promovendo-se, além da melhoria da qualidade de vida dos consumidores de baixa renda, o uso eficiente da energia elétrica, com redução de emissões de gases de efeito estufa pelo não despacho de térmicas, bem como pelo adequado recolhimento e reaproveitamento dos gases dos refrigeradores, também com grande poder de aquecimento global. (BRASIL, 2009, p. 49)

Apesar de o documento tocar em temas pertinentes para populações consideradas vulneráveis, povos indígenas e comunidades tradicionais, ainda o faz de forma incipiente e não discute questões mais profundas de gênero ou de raça. Além disso, ao citar alguns grupos específicos, o faz apenas como público-alvo em iniciativas pontuais, e não estruturais.

4.3. CONTRIBUIÇÕES NACIONALMENTE DETERMINADAS (iNDC)

As contribuições nacionalmente determinadas foram redigidas antes da elaboração do Plano Nacional de Adaptação, indicando os princípios sob os quais o Plano deveria ser construído. Logo na primeira página existe o comprometimento com os direitos humanos em geral e das populações consideradas vulneráveis, indicando a promoção de medidas também sensíveis às questões de gênero.

O Governo brasileiro está comprometido com a implementação da iNDC com pleno respeito aos direitos humanos, em particular os direitos das comunidades vulneráveis, das populações indígenas, das comunidades tradicionais e dos trabalhadores nos setores afetados por políticas e planos correspondentes, e promovendo medidas sensíveis a gênero (BRASIL, 2016a, p. 1).

Além disso, na seção Ações em Adaptação, existe a menção do termo “Vulneráveis” e a indicação de que o Plano Nacional de Adaptação seria construído e implementado com forte participação dos grupos interessados:

A dimensão social está no cerne da estratégia de adaptação do Brasil, tendo presente a necessidade de proteger as populações vulneráveis dos efeitos negativos da mudança do clima e fortalecer sua capacidade de resiliência. Nesse contexto, o Brasil está trabalhando no desenvolvimento de novas políticas públicas, tendo como referência o Plano Nacional de Adaptação (PNA), em fase final de elaboração. A forte participação dos atores interessados, em todos os níveis, contribuirá para a formulação e implementação do PNA do Brasil (BRASIL, 2016a, p. 3). 

4.4. PLANO NACIONAL DE ADAPTAÇÃO À MUDANÇA DO CLIMA (PNA)

O PNA está estruturado em dois volumes, o primeiro contendo a Estratégia Geral e o segundo as Estratégias Setoriais e Temáticas, dividido em 11 setores e temas, sendo eles: Agricultura, Biodiversidade e Ecossistemas, Cidades, Desastres Naturais, Indústria e Mineração, Infraestrutura (Energia, Transportes e Mobilidade Urbana), Povos e Populações Vulneráveis, Recursos Hídricos, Saúde, Segurança Alimentar e Nutricional e Zonas Costeiras. 

No capítulo 3 do volume I, são apresentados os objetivos do Plano e já se encontram elencadas em seus princípios algumas palavras-chave consideradas para a pesquisa:

Abranger as dimensões social, cultural e econômica para promoção da adaptação, considerando os grupos e populações particularmente mais vulneráveis, tais como populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, que precisam ser atendidas de forma multissetorial, regionalizada e prioritária, incluindo a aplicação de abordagens sensíveis ao gênero e com critérios raciais e étnicos; (BRASIL, 2016b, p. 19)

Ao longo do volume I, os termos “Povo”, “Comunidade”, “Indígena” e “Vulnerável/vulneráveis” são tratados em outras seções como Mudança do Clima observada e futura, Metas e Gestão do Plano. No entanto, não existem outras menções à palavra “Gênero” ou qualquer menção a “Mulher”, “Menina”, “Criança”, “Igualdade”, “Equidade”. 

Tabela 2. Palavras-chave mencionadas no texto, quantidade de menções e seção do documento Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, volume I – Estratégia Geral.

Palavra-chave Quantidade de Menções Seção do documento
Gênero 1 3. OBJETIVOS
Raça/Racial/Raciais 1 3. OBJETIVOS
Quilombo/Quilombola 1 3. OBJETIVOS
Étnico/Étnica 1 3. OBJETIVOS
Povo 1 1. APRESENTAÇÃO
1 2. MUDANÇA DO CLIMA OBSERVADA E FUTURA
2 4. METAS
Comunidade 2 4. METAS
1 5. GESTÃO DO PLANO
Indígena 1 3. OBJETIVOS
1 4. METAS
Vulnerável/Vulneráveis 1 1. APRESENTAÇÃO
1 2. MUDANÇA DO CLIMA OBSERVADA E FUTURA
2 3. OBJETIVOS
4 4. METAS
1 5. GESTÃO DO PLANO

 

No volume II, que trata das Estratégias Setoriais, um dos capítulos discute exclusivamente a Estratégia de Povos e Populações Vulneráveis. Ele concentra duas referências a “gênero”, duas referências a “mulher”, a única referência a “igualdade”, duas referências a “raça/racial”, a única referência a “negro/negra” e quatro referências a “étnico/étnica”. 

O termo “criança” foi citado sobretudo na seção sobre Estratégia de Saúde; já o termo “favela” foi citado tanto em Estratégia de Saúde quanto de Cidades.

As palavras “quilombo/quilombola”, “povos”, “comunidade”, “indígena” e “vulnerável” tiveram o maior número de citações, e se concentraram no capítulo sobre Estratégia dos Povos e Populações Vulneráveis. Além deste, “quilombo/quilombola” e “indígenas” surgiram nas seções sobre Estratégia de Saúde e Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional, e “povo” em Estratégia de Biodiversidade e Ecossistemas e Estratégias de Segurança e Nutrição Alimentar. “Vulnerável” apareceu em todos os capítulos, enquanto que “comunidade” apareceu em todos, exceto em Estratégia de Indústria e Mineração e Estratégia de Recursos Hídricos.

Tabela 3. Palavras-chave mencionadas no texto, quantidade de menções e seção do documento Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, volume II – Estratégias Setoriais e Temáticas.

Palavra-chave

Quantidade de Menções

Seção do documento

Gênero

2

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

Mulher

2

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

Igualdade

1

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

Equidade

1

3. Estratégia de Cidades

Criança

1

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

3

9. Estratégia de Saúde

Raça/Racial/Raciais

2

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

Negro/Negra

1

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

Quilombo/Quilombola

4

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

1

9. Estratégias de Saúde

6

10. Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional

Étnico/Étnica

4

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

Povo

1

APRESENTAÇÃO

1

Estratégia de Biodiversidade e Ecossistemas

64

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

12

10. Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional

Comunidade

1

APRESENTAÇÃO

2

1. Estratégia de Agricultura

9

2. Estratégia de Biodiversidade e Ecossistemas

1

3. Estratégia de Cidades

2

4. Estratégia de Gestão de Riscos e Desastres

1

6. Estratégia de Infraestrutura

15

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

2

9. Estratégia de Saúde

12

10. Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional

9

11. Estratégia de Zonas Costeiras

Indígena

61

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

5

9. Estratégia de Saúde

31

10. Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional

Vulnerável/Vulneráveis

2

APRESENTAÇÃO

3

1. Estratégia de Agricultura

16

2. Estratégia de Biodiversidade e Ecossistemas

1

3. Estratégia de Cidades

5

4. Estratégia de Gestão de Riscos e Desastres

2

5. Estratégia de Indústria e Mineração

5

6. Estratégia de Infraestrutura

41

7. Estratégia de Povos e Populações
Vulneráveis 

1

8. Estratégia de Recursos Hídricos

8

9. Estratégia de Saúde

4

10. Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional

2

11. Estratégia de Zonas Costeiras

Favela

1

3. Estratégia de Cidades

1

9. Estratégia de Saúde

 

5. CONCLUSÃO

A busca dos termos nos documentos teve como objetivo ampliar o entendimento sobre a existência e o contexto de inserção das questões de gênero e étnico-raciais, presentes no conjunto de normas e diretrizes que tratam das mudanças climáticas no cenário federal brasileiro. 

Pode-se identificar uma evolução dos planos relacionados às mudanças climáticas ao longo do tempo, no que diz respeito às temáticas de gênero e de diversidade étnico-racial. No primeiro Plano e Política da esfera federal, lançados ainda na primeira década dos anos 2000, não se observava uma abordagem sensível a essas temáticas. Contudo, o documento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC) estabeleceu em seus princípios o comprometimento com populações vulneráveis e medidas sensíveis às questões de gênero. Além disso, indicou que a elaboração e implementação do Plano de Adaptação (PNA) seria realizada com ampla participação dos atores interessados. Por fim, o PNA, lançado em 2016, já aponta esses temas como relevantes e estruturantes de seus princípios e metas. 

O volume II do PNA apresenta um capítulo destinado a Estratégia de Povos e Populações Vulneráveis dentre seus eixos temáticos. O texto foi escrito de forma conjunta entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), com objetivo de identificar os grupos populacionais vulneráveis à mudança do clima e promover sua adaptação. O documento mostra índices e metodologias para categorizar os grupos considerados mais sensíveis. Para tal, consideram-se fatores como a pobreza, mas não só:

[…] questões de gênero e raça, que são dirigidas especialmente às mulheres, populações tradicionais, grupos populacionais tradicionais e específicos (GPTEs) e aos negros, especialmente inseridos em um contexto de desigualdades estruturantes (BRASIL, 2016c, p. 144).

Outro aspecto relevante dentro deste capítulo sobre populações vulneráveis é a seção que trata sobre conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. Ela reconhece sua potencialidade e recomenda a participação desse segmento da população nos debates, avaliações e planejamento de políticas ligadas às mudanças climáticas.

Apesar de o PNA representar um avanço ao incorporar questões de gênero e étnico-raciais dentro de suas estratégias, essas perspectivas tendem apenas a identificar certos grupos como vulneráveis, sem lhes reconhecer o papel de agentes. Deixa-se à margem a capacidade real dessas populações para contribuírem na elaboração e implementação de estratégias de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

Por fim, alguns grupos importantes não aparecem no documento. É o caso dos imigrantes e refugiados, cujas realidades vêm se tornando cada vez mais relevantes quando se fala dos efeitos das mudanças climáticas. Também não são feitas referências expressivas a populações periféricas e LGBTQIA+, as quais exercem papel importante nas discussões relacionadas ao direito e acesso à cidade, saúde, entre outras.

6. IMPLICAÇÕES E RECOMENDAÇÕES

O discurso de que mulheres são mais vulneráveis às mudanças climáticas é recorrente em espaços de governança. Ele, no entanto, pode ser contraproducente. Ao tratar gênero como sinônimo de mulher, ignora-se toda a complexidade das relações de gênero e de poder entre os sexos e reforça-se o estereótipo de “vítima”, que recai principalmente sobre mulheres dos países mais pobres. 

Discursos desse tipo fortalecem afirmações essencialistas e universais, como se “mulher” fosse uma categoria única (ignorando as intersecções com classe, raça, etnia etc.) e naturalmente ou biologicamente mais “vulnerável”. A consequência pode ser a elaboração de políticas ineficientes, pois distantes da realidade local

Populações tradicionais, negras e indígenas também são colocadas sob o mesmo espectro da vulnerabilidade. Como resultado, retira-se a agência dos sujeitos e sua capacidade de resposta, ignorando ou tornando invisíveis suas contribuições.

As vítimas do clima aparecem como figuras passivas que precisam de ajuda para se tornarem autossuficientes o bastante para lidar com condições adversas que estão além de sua compreensão e controle. Pessoas que estão posicionadas como vulneráveis ​​a condições meteorológicas extremas e outras formas de destruição climática são feminizadas e racializadas.

Destaca-se a necessidade de inclusão desses grupos nos espaços de tomada de decisão e de elaboração de documentos que subsidiarão as políticas públicas. Para que a inclusão seja bem-sucedida, os sujeitos impactados devem participar desde o início da produção dos documentos. Mas não somente: sua participação precisa ocorrer em espaços que não reproduzam as desigualdades e hierarquias da sociedade, mas promovam trocas de modo horizontal. Apenas assim suas vozes serão ouvidas e suas especificidades, respeitadas.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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Subsídio para inserção de abordagens de Gênero na proposta do OC para a atualização da NDC do Brasil

#NotaTécnica

SUBSÍDIO PARA INSERÇÃO DE ABORDAGENS DE GÊNERO NA PROPOSTA DO OC PARA A atualização da NDC DO BRASIL

ELABORAÇÃO: PRISCILLA SANTOS E RAYANA BURGOS
PUBLICADO EM: 06 de março
REVISADO EM: 11 de março

 

Acesse a íntegra do documento aqui.

Esta nota técnica traz subsídios para a inclusão de abordagens de gênero e raça na proposta do Observatório do Clima para a atualização da contribuição nacionalmente determinada (NDC) do Brasil.

1. INTRODUÇÃO

Esta Nota Técnica propõe sugestão de um tipo de linguagem que considere questões de gênero e raça na atualização da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do Brasil proposta pelo Observatório do Clima. Ainda que o contexto político seja desfavorável à discussão sobre esses temas, houve uma tentativa de usar a linguagem técnica predominante em NDCs de outros países para incluir medidas com foco na redução de desigualdades sociais, de gênero e de raça.

Os países variam nas formas de abordar gênero em suas NDCs atualizadas. Há desde inserções genéricas e pontuais até abordagens transversais do tema (gender mainstreaming). Este documento propõe justamente uma perspectiva transversal de gênero e raça, fortalecendo medidas favoráveis às mulheres e a grupos étnico-raciais. Também são abordadas sugestões de acordo com tendências observadas em outras NDCs, como a inclusão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de forma ampla (e incluindo o ODS 5 – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas). Além disso, também são incluídas as recomendações apresentadas no Plano de Ação de Gênero e Clima da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).

De modo geral, as questões que envolvem gênero e clima têm sido, em sua maioria, centradas nas estratégias de adaptação, dadas as dificuldades dos países em propor metas específicas de mitigação. Tanto a literatura especializada sobre gênero e NDCs quanto algumas das próprias NDCs reforçam a necessidade de realizar estudos específicos para cada setor da economia – como energia, resíduos, indústria, agricultura e uso da terra – antes de propor medidas setoriais sensíveis às questões de gênero. Estas devem estar ancoradas em ampla participação de especialistas e da sociedade e baseadas em estudos técnicos robustos e inclusivos.

Ademais, recomenda-se a adoção de indicadores para medir não somente o progresso de medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, mas também em relação à redução de desigualdades, sejam elas de gênero, raça e/ou regionais. O Observatório do Clima, juntamente com a sociedade civil brasileira, pode ter um papel-chave na condução desses processos de curto e longo prazo, contribuindo para definir e planejar medidas e intervenções estratégicas por setor.

Como um primeiro e importante passo para ampliar a discussão de gênero e clima no Brasil, sugere-se que o tema seja abordado nas seções de mitigação, adaptação e meios de implementação, incluindo financiamento, processos de planejamento, sistema de Monitoramento, Relato e Verificação (MRV), e iniciativas Sul-Sul. Assim, foram apresentadas opções para inserção do tema em cada componente, trazendo à atualização da NDC brasileira uma abordagem transversal de gênero e raça e comprometida com a redução de desigualdades de forma interseccional.

2. CRITÉRIOS PARA PROPOSIÇÃO DE ABORDAGENS DE GÊNERO

As propostas desta Nota Técnica seguem três critérios: i) tendências apresentadas em NDCs submetidas à UNFCCC até novembro de 2020; ii) recomendações da literatura especializada nos temas de gênero e mudanças climáticas; iii) diretrizes da UNFCCC para atualização de NDCs, incluindo as introduzidas no Plano de Ação de Gênero e Mudança do Clima e outras voltadas a facilitar a transparência, a clareza e o entendimento da NDC

Além das propostas de texto na seção “Sugestões de linguagem e abordagens de gênero na proposta do Observatório do Clima”, a seção “Recomendações do Plano de Ação de Gênero” traz propostas do Plano de Ação de Gênero e Mudança do Clima da UNFCCC e sugere a  inclusão de abordagens dentro de áreas não contempladas no texto da primeira NDC brasileira. 

Além disso, optou-se por apresentar medidas de mitigação de forma ilustrativa, com foco em financiamento e capacitação, deixando espaço para aprofundar o debate sobre ações setoriais que possam reduzir as emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo que ajudam a diminuir as desigualdades de gênero e raça, segundo as realidades locais. 

Em geral, políticas sensíveis às questões de gênero buscam compreender as desigualdades e papéis de gênero e encorajar uma participação inclusiva, considerando a distribuição de benefícios de forma justa e igualitária. Nesse sentido, análises de gênero devem informar medidas específicas de intervenção por setor. Para isso, é necessário o apoio a esforços que transformem relações desiguais de gênero para promover poder, controle de recursos e tomada de decisão compartilhados, além do apoio ao empoderamento das mulheres.

3. ABORDAGENS DE GÊNERO PARA MITIGAÇÃO E ADAPTAÇÃO NA NDC

A discussão sobre gênero nas NDCs tem sido predominante relacionada à adaptação às mudanças climáticas. Entre os 161 países que submeteram NDCs até abril de 2016, 35 fazem referência ao papel das mulheres na adaptação, enquanto apenas 18 abordam mulheres em ações de mitigação, relacionando a inserção das mulheres em iniciativas que vão desde a capacitação voltada à energia até mecanismos de financiamento para incluir mulheres na pecuária. Assim, a apresentação de metas e medidas de mitigação por setor é uma lacuna presente nas NDCs e na literatura em geral

A inclusão de medidas de mitigação responsivas a gênero e raça relacionadas às atividades setoriais precisa ser baseada em análises específicas para cada setor, com linhas de base bem estabelecidas e com dados quantitativos e qualitativos desagregados por sexo para fins de monitoramento e avaliação. Em suma, para a sugestão de medidas setoriais específicas que incentivem a participação igualitária e a distribuição justa dos benefícios, as seguintes questões devem ser consideradas:

  • Esta atividade é a mais adequada e eficaz para aliar a busca pela igualdade de gênero aos compromissos climáticos para o setor?
  • A atividade resultará na redução da lacuna de igualdade entre mulheres e homens no setor em termos de acesso, renda, trabalho ou poder?
  • A iniciativa poderia fazer mais para beneficiar diferentes grupos desfavorecidos no setor?
  • Quem será a instituição implementadora e os parceiros para a atividade no setor; e até que ponto os parceiros de implementação são sensíveis às questões de gênero?

A recomendação de abordagem de gênero para mitigação da NDC brasileira é de suma importância. Contudo, com a falta de dados que possam guiar intervenções baseadas em evidências para cada setor, a abordagem deve se dar de forma geral, com foco em financiamentos que potencializem a mitigação de emissões dos gases de efeito estufa (GEE) e que contribuam para reduzir desigualdades.

4. GÊNERO E MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO

Para facilitar a compreensão e clareza, sugere-se que a seção dedicada a “meios de implementação” na atualização da NDC brasileira seja dividida em quatro tópicos:

i) financiamento;

ii) processos de planejamento;

iii) sistema de Monitoramento, Relato e Verificação (MRV);

iv) iniciativas Sul-Sul (trata-se de um tópico trazido pela primeira NDC).

A figura 1 abaixo apresenta a proposta para tratar as questões de gênero em todos os componentes da NDC brasileira – mitigação, adaptação e meios de implementação. Conforme ilustrado, a alocação de financiamento deve perpassar todos os componentes.

 

Figura 1: Abordagens de gênero na atualização da NDC brasileira.

5. SUGESTÕES DE LINGUAGEM E ABORDAGENS DE GÊNERO NA SEGUNDA NDC BRASILEIRA

 

PREÂMBULO DA NDC

Considerando que o cumprimento das NDCs deve estar alinhado com a implementação da Agenda 2030 e que esta é uma recomendação da Convenção de Clima para a revisão de NDCs, propõe-se que a Contribuição brasileira aborde no texto a relação entre as metas estabelecidas com os respectivos ODS. A sugestão de inserção de linguagem relacionada aos ODS seria dentro do preâmbulo da NDC . Além disso, propõe-se indicar quais ODS específicos estão relacionados a cada meta proposta ao longo da NDC, conforme linguagem proposta abaixo:

A atualização da NDC do Brasil proposta pelo OC está em conformidade com a ratificação do Acordo de Paris. O Acordo enfatiza a relação intrínseca entre as ações de combate às mudanças climáticas, o acesso equitativo ao desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza. Assim, esta atualização reconhece a necessidade de maximizar sinergias entre os compromissos climáticos, a Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

MITIGAÇÃO

A proposição recomendada para mitigação da NDC brasileira é de que ela apresente abordagens de gênero e raça de forma geral (e não específica por setor), devido a falta de dados e evidências que possam guiar intervenções específicas. Dessa forma, é sugerido que a NDC do Brasil relacione gênero e raça nas ações de mitigação seguindo o modelo da linguagem proposta abaixo: 

Os planos setoriais servem de base para definir metas de mitigação para cada setor da economia. Para a efetiva implementação e revisão desses planos, serão estabelecidas medidas responsivas a gênero e raça, considerando os co-benefícios relacionados à mitigação de emissões de GEE e à redução de desigualdades sociais.

Além disso, para aumentar o impacto das ações de mitigação e garantir a sua viabilidade a longo prazo, os mecanismos de financiamento em todas as escalas devem combater as desigualdades estruturais. Mecanismos como o Plano para Agricultura de Baixo Carbono.

Vale ressaltar que, devido à escassez de referências e dados para embasar medidas de mitigação específicas por setor que incluam questões de gênero, as sugestões abaixo têm como base estudos de caso compartilhados por diferentes países e realidades (UNDP, 2017). Elas são, acima de tudo, sugestões ilustrativas e devem servir como exemplos de intervenções possíveis por setor.

Agricultura:

  • Implementar linhas de crédito e mecanismos de financiamento inovadores (no âmbito dos Planos ABC e Safra) que contribuam para reduzir custos e tornar os serviços financeiros mais prontamente disponíveis para as mulheres rurais.

Energia:  

  •  Fomentar programas de apoio de meios de subsistência e capacitação das mulheres (como treinamento para instalação e manutenção de energia solar e eletrificação de áreas rurais) que possam proporcionar a mitigação de emissões no setor de energia com co-benefícios para a redução de desigualdades de gênero e raça.

Resíduos: 

  • Implementar o tratamento de resíduos de atividades produtivas de cadeias de suprimentos por meio de compostagem e metanização, assim como a reciclagem e a reutilização dos resíduos, a fim de trazer sustentabilidade ecológica e econômica e benefícios para setores de baixo valor agregado e com alta participação de mulheres.

Pecuária:  

  • Ampliar instrumentos de financiamento para fomentar a pecuária sustentável que contribuam com a redução  de emissões do setor e fortalecer o papel das mulheres na cadeia produtiva, proporcionando desenvolvimento de capacidades e apoio à inovação.

Florestas: 

  • Apoiar o empreendedorismo de mulheres rurais que trabalham nas cadeias agroflorestais e da sociobiodiversidade, contribuindo para a manutenção da floresta e redução de emissões oriundas do desmatamento e degradação florestal (REDD+).

AÇÕES EM ADAPTAÇÃO

O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) foi lançado em maio de 2016 e tem atualização prevista a cada quatro anos. Ele propõe um conjunto de ações estruturantes para a agenda nacional de adaptação, além de diretrizes e recomendações para temas de interesse nacional: agricultura, cidades, recursos hídricos, segurança alimentar e nutricional, biodiversidade e ecossistemas, gestão de risco aos desastres, indústria e mineração, infraestrutura, saúde, zonas costeiras, bem como povos e populações vulneráveis. 

O objetivo do Plano é promover a gestão e redução dos riscos associados à mudança do clima, sejam eles sociais, naturais, humanos, produtivos ou de infraestrutura. Assim, deve-se priorizar políticas que considerem questões sociais e de gênero, a fim de aumentar a resiliência de povos e populações vulneráveis aos efeitos adversos das mudanças climáticas.

O PNA será atualizado até 2021 e constituirá a base das ações e metas de adaptação a serem implementadas pela NDC, com estabelecimento de medidas que também combatam desigualdades sociais e de gênero. Ademais, até 2022, o Brasil se dispõe a revisar as políticas e planos nacionais voltados para o desenvolvimento do país em áreas como infraestrutura, expansão da geração de energia, agricultura e pecuária e gestão de recursos hídricos, os quais devem ser ajustados de acordo com as recomendações do Plano Nacional de Adaptação.

Para a revisão do PNA, o Brasil se compromete a incorporar as recomendações do conhecimento científico mais recente, contidas no Plano de Ação de Gênero (decisão da COP 25, 2019). Além disso, compromete-se a apontar estimativas de investimento em adaptação e indicar a priorização de alocação de recursos em setores-chave para o futuro próximo, considerando retornos econômicos estimados, o tamanho dos investimentos potenciais e avaliações qualitativas do impacto sobre redução da desigualdade de gênero e pobreza. 

Sabe-se que o custo total da inação, isto é, de não tomar as medidas necessárias ao combate das mudanças climáticas, é alto e aumenta à medida em que não se tomam as ações necessárias no tempo devido. Esse custo deve ser levado em conta na alocação de porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) para investimentos em resiliência climática.

MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO

Financiamento 

A implementação da NDC do Brasil não é condicionada a apoio internacional. Dessa forma, o Brasil se compromete incondicionalmente a avançar na definição de estimativas econômicas com o objetivo de identificar necessidades de investimento de médio e longo prazo para mitigação e adaptação de setores-chaves da economia, com foco em ações com impacto na redução da pobreza e desigualdades sociais

Processos de planejamento

O Brasil se compromete a inserir nos processos de planejamento voltados ao desenvolvimento do país, nos diferentes setores de sua economia, e em seus respectivos planos e políticas, medidas para a redução progressiva de emissões de gases de efeito estufa e para a adaptação e aumento de resiliência às mudanças climáticas, assegurando a plena participação igualitária de homens e mulheres e populações mais vulneráveis. Além disso, os princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos das políticas públicas e programas governamentais deverão ser compatíveis com a Política Nacional sobre Mudança do Clima.

Sistema de monitoramento

O Brasil compromete-se a estabelecer um sistema de Monitoramento, Relato e Verificação (MRV) para medir, informar e verificar não somente emissões de GEE, mas também os impactos resultantes das medidas adotadas por setores-chave, estratégias e ações que contribuem para a implementação da NDC, considerando indicadores e dados desagregados por sexo para medir o progresso da agenda de mitigação e adaptação.

Iniciativas Sul-Sul 

Ao reconhecer o papel da cooperação Sul-Sul, o Brasil empregará esforços para ampliar iniciativas de colaboração com outros países em desenvolvimento, baseando-se em prioridades comuns de desenvolvimento sustentável, com foco no aumento de resiliência, proteção aos grupos vulneráveis e inclusão social. Para isso, o Brasil ampliará a cooperação com países da América Latina no intercâmbio de experiências relacionadas a políticas climáticas, com foco na participação e capacitação de mulheres, jovens e outros grupos vulneráveis.

6. RECOMENDAÇÕES DO PLANO DE AÇÃO DE GÊNERO

O Plano de Ação de Gênero, divulgado em 2019 pela UNFCCC na COP 25 em Madri, estabelece objetivos e atividades em cinco áreas prioritárias, visando o avanço do conhecimento e da compreensão da ação climática sensível às questões de gênero. As cinco áreas prioritárias são: 1) capacitação, gestão do conhecimento e comunicação; 2) igualdade de gênero, participação e liderança feminina; 3) coerência; 4) implementação com perspectiva de gênero; e 5) monitoramento e relato. 

As recomendações feitas pelo Plano de Ação de Gênero envolvem medidas a serem adotadas pelas Partes da Convenção no âmbito da política nacional e internacional e podem embasar a elaboração e atualização de planos e políticas brasileiras com foco em gênero e clima. Essas medidas estabelecem responsabilidades a diferentes atores, incluindo às Partes, comunidade acadêmica, Secretariado da UNFCCC e outras relevantes organizações. Para algumas ações, é recomendado também o engajamento de grupos e comunidades locais e indígenas. 

As atribuições específicas às Partes da Convenção de Clima da ONU relacionam-se com as áreas 1 e 4 (capacitação, gestão do conhecimento e comunicação; e implementação com perspectiva de gênero). Assim, é esperado que o Brasil, como Parte da Convenção, avance na resposta a essas recomendações. A seguir, sugestões de linguagem são propostas para cada uma das áreas prioritárias do Plano. 

Capacitação, gestão do conhecimento e comunicação: a ser incorporado dentro de “processos de planejamento”, na seção sobre “meios de implementação”, com a seguinte linguagem:

Dentro do processo de construção de políticas nacionais, o Brasil se compromete a fornecer ferramentas de capacitação e recursos, compartilhando experiências e melhores práticas para governos e outras partes interessadas na inclusão de questões de gênero na formulação, monitoramento, implementação e revisão da NDC. Além disso, reforçará a transparência e estratégias de comunicação sobre os esforços no combate às desigualdades de gênero e de raça.

O Brasil promoverá a implantação de ações sensíveis ao gênero e à raça com soluções tecnológicas para enfrentar as mudanças climáticas, incluindo o fortalecimento, proteção e preservação do conhecimento local, indígena e tradicional e práticas em diferentes setores para a melhoria da resiliência do clima e promovendo a participação de mulheres e meninas na  ciência, tecnologia e pesquisa.

Implementação com perspectiva de gênero: a ser incorporado dentro de “financiamento”, na seção de “meios de implementação” da NDC, com a seguinte linguagem: 

O Brasil se compromete a aumentar a conscientização sobre aspectos financeiros e técnicos e o apoio disponível para a promoção do fortalecimento da integração de gênero e raça nas políticas, planos e estratégias de ação climática, incluindo boas práticas para facilitar o acesso ao financiamento climático para as organizações de base de mulheres, povos indígenas e comunidades locais.

7. CONSIDERAÇÕES POLÍTICAS

É importante ressaltar que a discussão das pautas de gênero e raça encontra-se comprometida no Brasil, considerando a atual posição de negociação do país em organismos multilaterais e na condução da política externa e interna sobre o tema. A atuação do Ministério das Relações Exteriores (MRE) durante a gestão do Presidente Jair Bolsonaro e do Ministro Ernesto Araújo pauta-se em um discurso anti-globalista e tem como uma de suas diretrizes o banimento de termos relacionados a gênero. Há uma sistemática oposição à defesa de direitos das mulheres, contrariando entendimentos anteriormente consensuais na diplomacia brasileira junto à Organização das Nações Unidas (ONU)

Além disso, a discussão sobre o posicionamento do Brasil a respeito de temas relacionados à igualdade de gênero no âmbito do Itamaraty encontra-se comprometida com a redução da transparência de comunicações institucionais do Ministério. Isso inviabiliza o acesso à informação e o controle social garantidos pela Lei de Acesso à Informação. O mesmo padrão ideológico pode ser observado nas pautas relacionadas às desigualdades sociais e raciais: a posição política dominante é a de negar as desigualdades estruturais em fóruns internacionais, como ocorrido durante o discurso do presidente Bolsonaro na reunião da Cúpula do G20 em 2020

Dada a sensibilidade desses temas no atual contexto político, avalia-se como baixa a probabilidade do governo atual acatar uma NDC com linguagem que inclua a redução de desigualdades sociais, de gênero e raça. Entretanto, para além da capacidade de influenciar o governo brasileiro, escolher uma linguagem técnica é uma oportunidade de posicionar o Observatório do Clima como ator-chave no debate sobre gênero e clima, ainda incipiente no Brasil. Ademais, para além da  necessidade de atualização contínua da NDC brasileira, esse debate contribui também para a construção e revisão de  planos setoriais e políticas (como o Plano Nacional de Adaptação) que considerem as várias intersecções de gênero e raça tanto em nível nacional quanto subnacional (estadual e municipal).

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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Existe Clima para Gênero nas Eleições?

#Relatório

EXISTE CLIMA PARA GÊNERO NAS ELEIÇÕES?

ELABORAÇÃO: ALESSANDRA MATHYAS, DANIELLE LINS, FRANCISCA DA SILVA, ISADORA ZONI, JAMILLE NUNES, JAQUELINE SORDI, JOANA AMARAL, JOCI AGUIAR, JÚLIA CAMPOS, LARA ZAMPARO, LÍGIA GALBIATI, MONICA PEREIRA, NARA PEROBELLI E RAYANA BURGOS.
PUBLICADO EM: 06 de março de 2021

 

Acesse a íntegra do documento aqui.

1. APRESENTAÇÃO

Este documento é um relato do Grupo de Trabalho de Gênero e Clima, do Observatório do Clima, para compartilhar nossas experiências durante o segundo semestre de 2020 sobre as relações entre Mudanças Climáticas e Gênero no âmbito das eleições e gestões municipais. 

Para conhecer o entendimento de candidatos e candidatas sobre a temática, realizamos uma coleta de percepções sobre mudanças climáticas, gênero e a relação entre ambos. A pesquisa decorreu de 22 de outubro a 17 de novembro de 2020, por meio de formulário. A partir de uma concepção coletiva, com depoimentos dos participantes da pesquisa e de comentários de especialistas de nosso grupo de trabalho, apresentamos os resultados de uma discussão sobre o que é mudança climática, o que é gênero e como essas pautas se relacionam. 

Promovemos também o webinar “Existe clima para gênero nas eleições?” no dia 06 de novembro de 2020. Tratou-se de um espaço virtual de debate que contextualizou o tema e trouxe exemplos práticos e ferramentas úteis para inspirar a atuação em nível local. O registro escrito do webinar está presente neste documento, com um link para assistir o conteúdo completo em vídeo. 

Consideramos o município um agente importante de mudança, mas que precisa estar preparado e capacitado para ela. A territorialização é um princípio indispensável para guiá-lo nesse sentido. Para nós do GT, é essencial a atuação no campo da política como forma de promover a agenda de gênero e clima. Por isso, pretendemos continuar e ampliar nossos trabalhos dentro desse escopo.

2. FORMULÁRIO

Para conhecer o que candidatos e candidatas pensam sobre mudanças climáticas, gênero e a relação entre ambos, realizamos uma pesquisa baseada na coleta de percepções. Ela decorreu de 22 de outubro a 17 de novembro de 2020, por meio de formulário (Anexo A). A partir dos depoimentos dos participantes e de comentários de especialistas do nosso grupo de trabalho, sistematizamos uma discussão sobre mudança climática, gênero e como essas pautas se relacionam.

2.1. PANORAMA DAS RESPOSTAS

Foram coletadas 39 respostas fornecidas por candidatas/os (quase 60%), candidaturas coletivas (33,3%) e assessoria e apoiadores (7,7%) de nove estados: São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Pará, Rio Grande do Norte e Bahia. 

Desses participantes, mais da metade se identificou como mulher cisgênero, seguido por homem cisgênero (41%), duas pessoas não binárias e uma candidatura coletiva com pessoas cis e transgêneras. Em relação à sexualidade, a maioria se declarou heterossexual (89%), duas pessoas preferiram não responder, uma pessoa se declarou bissexual, e uma candidatura coletiva se declarou composta por mulheres e homens heterossexuais e gays. Três do total de candidaturas estavam compostas por pessoas com deficiência auditiva (uso de libras), visual e física. 

Mais de 50% das pessoas que responderam ao formulário se consideravam brancas, quase 30% pardas, mais de 12% pretas ou negras, e em uma candidatura coletiva as pessoas se declararam pretas, pardas, indígenas e brancas. Quase 8% dos respondentes faziam parte de grupos ou comunidades tradicionais, sendo duas pessoas indígenas e uma negra. 

Para a maioria dos participantes, aquela era a primeira vez que disputavam uma eleição (66,7%). Quase 77% nunca haviam participado de um mandato antes. Entre aqueles que participaram, 10,3% possuíam experiência nos poderes legislativo e executivo, 7,7% apenas no legislativo e 5,1% apenas no executivo. Quase 75% dos respondentes participavam de algum movimento social ou comunitário, em sua maioria relacionados à questão ambiental ou feminista. 

No momento em que responderam ao formulário, 64,1% das candidaturas ainda estavam discutindo suas propostas de mandato com apoiadores, 28,2% já possuíam propostas em documento final e 7,7% possuíam apenas ideias. Entre as propostas de mandato, cerca de 70% articulavam gênero e mudança do clima, mais de 15% se relacionavam à mudança do clima e 5,1% tratavam apenas de gênero. 

Das candidaturas que possuíam propostas relacionadas à intersecção entre gênero e clima, esse tema tinha alta prioridade (notas 8, 9 ou 10) para a maioria das/os respondentes (77,7%). Já entre as candidaturas que não possuíam essa intersecção em suas propostas, mais de 75% se declararam dispostas a incluir o tema.

Dentre os materiais melhor avaliados para apoiar as campanhas eleitorais, estavam, por ordem: vídeos, chamadas para redes sociais, guias e e-books. Os principais temas de interesse elencados para compor esses materiais foram: saneamento básico, educação municipal, mobilidade urbana e direito à cidade, justiça climática, soberania alimentar, saúde e povos indígenas.

3. CANDIDATURAS RESPONDEM

O formulário trazia algumas perguntas abertas em relação à mudança climática, gênero e a intersecção entre ambos temas. Os textos abaixo foram construídos a partir da sistematização das respostas, buscando preservar ao máximo sua essência. Eles representam a opinião de um conjunto específico de candidaturas, e não necessariamente a visão do Observatório do Clima. Em todo caso, as respostas são  importantes e reveladoras acerca da visão local dessas temáticas. 

A fim de aprofundar as reflexões, adicionamos em destaque esclarecimentos sobre assuntos específicos relacionados a cada uma das perguntas. Eles foram elaborados por participantes do Grupo de Trabalho em Gênero e Clima do Observatório do Clima. 

3.1. O QUE VOCÊ ENTENDE POR “MUDANÇA CLIMÁTICA”?

Mudança climática é uma das facetas do desequilíbrio ambiental e se caracteriza como a maior crise que a humanidade já enfrentou, pois seus impactos afetam desde a produção de alimentos até o aumento do nível do mar. Trata-se da mudança dos padrões climáticos (temperatura e regime de precipitação) na qual fenômenos antrópicos (causados pelos seres humanos) interferem no meio ambiente e criam novos padrões negativos à vida na Terra.  

No meio ambiente, tudo está interligado e todas as nossas ações têm impactos. A mudança do clima é causada por um estilo de vida desconectado e descompromissado com o meio ambiente e pelo uso imprudente e não sustentável de seus recursos naturais.

Ela é fruto de diversas alterações que o homem proporcionou durante a sua história na Terra e se tornou o efeito sistêmico de um modo de produção e consumo desenfreado, construído na hegemonia eurocêntrica. Nos últimos anos isso tem se intensificado bastante, principalmente com a industrialização do trabalho, quando começamos a  olhar para a natureza como um meio de se fazer dinheiro, extraindo tudo o que lhe é possível. O alto índice de desmatamento e a ausência de políticas públicas de conservação e preservação da biodiversidade contribuem para esse resultado. 

Por natureza, a mudança climática se constitui como um tema global: cada alteração que fazemos aqui impacta o clima do mundo inteiro e por isso deve ser pensada de forma global, mas trabalhada em nível local. Dentre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, o nº 13 fala justamente sobre esse tema:  precisamos adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos. 

Esses impactos podem se manifestar no derretimento acelerado das calotas polares e consequente aumento do nível do mar, períodos de secas extremas e, em outros lugares, aumento do índice pluviométrico, queimadas, alterações de biomas, estações que não correspondem ao clima esperado etc.

Nos municípios, a crise climática está afetando a forma como vivemos, nos alimentamos, nos locomovemos, e tem ainda maiores consequências sobre a população de baixa renda. A revisão de um Plano Diretor, por exemplo, pode interferir diretamente no processo das mudanças climáticas que vivemos no mundo e em nossa cidade.

O fato é que precisamos de transformações culturais, sociais e políticas profundas para tentar reverter essas ações. É preciso mudar a forma como consumimos, como nos relacionamos com o mundo e com nós mesmos. Os seres se fortalecem quando estão conectados. Precisamos reorganizar nossas cidades a partir das nossas águas e da regeneração do nosso planeta. E isso passa pelo lugar onde moramos. 

DE OLHO NO 1,5°C

Quando se fala em mudança climática, vez ou outra aparece um tal de “1,5 grau Celsius”. Afinal, o que ele representa?

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) existe desde 1988 e é composto por um grupo de cientistas renomados que estudam o tema, buscam soluções para ele e compartilham seus conhecimentos principalmente por meio da publicação de relatórios.

Em 2018, o IPCC utilizou modelos científicos embasados em mais de 6 mil estudos para alertar que um aumento da temperatura global acima de 1,5 ºC trará efeitos catastróficos para os ecossistemas e a vida no planeta. Entre esses efeitos, estão a extinção de espécies, a redução na produção de alimentos, entre outros.

Até a publicação em 2018, o alvo dos governantes deveria ser de 2 ºC, valor estipulado durante o Acordo de Paris (maior e mais ambicioso acordo climático entre países, firmado em 2015). A partir desse novo cenário, torna-se essencial recalcular a rota, focando em uma redução maciça das emissões de gases de efeito estufa.

Nesse Acordo, 195 países se comprometeram com metas nacionais para redução de gases causadores da mudança climática. O Brasil foi um deles, com uma meta de reduzir as emissões em 37% em relação ao que emitia em 2005. A data limite é 2025, com indicativo de reduzir 43% das emissões até 2030. Para alcançar esse valor, o Brasil se comprometeu a:

  • Aumentar a participação da bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18%;
  • Fortalecer o cumprimento do Código Florestal;
  • Restaurar 12 milhões de hectares de florestas;
  • Alcançar desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira;
  • Ampliar para 45% a oferta de energias renováveis na matriz energética (transporte e eletricidade);
  • Obter 10% de ganhos de eficiência no setor elétrico;
  • Promover o uso de tecnologias limpas no setor industrial;
  • Estimular medidas de eficiência e infraestrutura no transporte público e áreas urbanas.

Apenas ações coordenadas de todos os setores da sociedade e em níveis federativos do governo serão capazes de tornar essa meta uma realidade. Nessa missão, os municípios têm um papel essencial.

Referências: Relatório “Aquecimento Global de 1,5 ºC”, IPCC; G1.

ODS? É DE COMER?

ODS? É DE COMER?

Os ODS são 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2015.

Nessa agenda, onde cada objetivo foi subdividido em metas, estão previstas 169 ações mundiais para a construção e implementação de políticas públicas nas áreas sociais, ambientais, econômicas e institucionais até 2030.

Esse plano tem como objetivo acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.

Referências: Agenda 2030.

3.2. O QUE VOCÊ ENTENDE POR “GÊNERO”?

Gênero é um termo que nos endereça à discussão sobre a estrutura social, em suas infinitas correlações, com papéis esperados por homens, mulheres e pessoas não binárias nas relações sociais. É uma construção social que deriva da forma como a nossa sociedade entende a função ou comportamento esperado de alguém com base em seu sexo designado no nascimento. Isso se traduz em uma expectativa de comportamentos, atitudes e/ou posições sociais para determinados indivíduos, conforme padrões previamente determinados.

A hegemonia do patriarcado construiu ideias hierarquizadas sobre o masculino e o feminino, oprimindo as pessoas identificadas com o gênero feminino. Um exemplo são as riquezas formais e informais produzidas pelas mulheres que, embora possuam uma carga de trabalho alta, não detém a riqueza produzida e nem têm suas contribuições contabilizadas na economia clássica. Além disso, historicamente, elas são as guardiãs do modelo de vida natural, coletivo, comunitário. 

Este é um debate que necessita ser incorporado em todos os processos em uma perspectiva de reconhecimento, respeito e valorização da identidade das pessoas. É preciso ser o que se é. Aceitar o outro.

GÊNERO NÃO É…

  • O mesmo que sexo biológico: a partir das discussões de autoras feministas da década de 70, entende-se que não existe uma natureza biológica universal que define como mulheres e homens pensam e agem. Esses papéis são construídos socialmente, sempre um em relação ao outro.
  • Um sistema binário: expressões de gênero podem ir além do que chamamos exclusivamente de homens e mulheres. Sistemas não-binários de gênero são reconhecidos, por exemplo, na Austrália, Nova Zelândia, Alemanha, Índia, Paquistão, Nepal e Bangladesh, países que admitem um terceiro gênero. Esse terceiro gênero pode representar um estado intermediário entre homens e mulheres, um estado onde são ambos, são neutros, ou ainda uma categoria independente do masculino e feminino.
  • Um sistema de categoria universal: uma vez que ele não se define por características biológicas, mas sim por construções sociais, gênero e as relações de poder resultantes dele emergem de diferentes maneiras, em diferentes grupos e populações. Assim, as categorias de gênero não se definem por si só, elas são construídas em relação umas às outras.

A  construção da identidade de um sujeito é atravessada por outros marcadores além do sistema de gênero, dentre eles sua raça, classe social, etnia, localização geográfica, idade, entre outros. Esses marcadores, chamados de marcadores de diferença, também definirão outras relações de poder que se entrelaçam com as relações marcadas pelo gênero.

GÊNERO É…

De acordo com a autora Joan Scott, gênero pode ser entendido como elemento que define as relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos biológicos. Além disso, gênero também dá significado às relações de poder. Isso quer dizer que as diferenças de gênero estruturam hierarquias e, portanto, estabelecem relações estruturais de subordinação, dominação e desigualdade.

Referências 

BUTLER, Judith; TROUBLE, Gender. Feminism and the Subversion of Identity. Gender trouble, v. 3, p. 1-25, 1990.

CABRERA, Marta; MONROY, Liliana Vargas. Transfeminismo, decolonialidad y el asunto del conocimiento: inflexiones de los feminismos disidentes contemporáneos. Universitas humanística, v. 78, n. 78, 2014.

FAUSTO-STERLING, Anne. Dualismos em duelo. cadernos pagu, n. 17-18, p. 9-79, 2002.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & realidade, v. 20, n. 2, 1995.

OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceptualizing Gender: The Eurocentric Foundations of Feminist Concepts and the challenge of African Epistemologies. African Gender Scholarship: Concepts, Methodologies and Paradigms. CODESRIA Gender Series, v. 1, p. 1-8, 2004.

3.3. QUAL A RELAÇÃO ENTRE “MUDANÇA CLIMÁTICA” E GÊNERO?

Ambas decorrem de uma maneira de pensar o mundo e as relações sociais. O estilo de vida e a forma de exploração das fontes naturais estão relacionadas à forma de condução de política das nações, que é marcada pela hegemonia masculina. Não se pode tratar essas duas questões de forma fragmentada; ao contrário, são lutas e processos integrados.

As ações e intervenções humanas no equilíbrio do meio ambiente são tão cruéis e desprovidas de senso de respeito, justiça e cuidado, quanto às relações sociais permeadas pela opressão de gênero, onde o patriarcado e o machismo estrutural na sociedade validam a violência e desrespeito aos valores, os desejos e necessidades materiais e subjetivas dos indivíduos.

As pessoas em situação de vulnerabilidade são as mais afetadas pela crise climática.  Trata-se de uma relação direta, que alia classe, raça e gênero com a pauta climática. Exclusões como segregação urbana, menor acesso ao saneamento, água potável, moradia digna, entre outros efeitos, serão amplificadas pelos efeitos da mudança climática. Inundações, tormentas, frio e calor extremo, aumento do nível do mar e outros impactos afetarão ainda mais os que já estão expostos.

Em relação a isso, é sabido que às mulheres, estruturalmente, têm sido delegados os cuidados com a casa e com familiares. Com as mudanças climáticas, aumentarão os esforços de cuidado, colocando ainda mais tarefas sobre os corpos femininos. Mundialmente, o acesso a recursos (capital, físico, financeiro, humano, social e natural) acontece de maneira desigual na sociedade, em formato de pirâmide (homem branco, mulher branca, homem negro, mulher negra, inclusive sem considerar as pessoas não binárias e indígenas). 

Ou seja, as mulheres terão menos acesso a recursos para se adaptarem à mudança climática, uma vez que tal mudança, como a pandemia da Covid-19, potencializa as desigualdades já existentes. Em vários locais do mundo, aumentará o número de doenças relacionadas às transformações no clima, como malária, hepatite A, cólera, diarreia, leptospirose, além do aumento da desnutrição como consequência da redução da oferta de alimentos de qualidade. 

Tais eventos aprofundarão as funções de cuidado, hoje realizadas majoritariamente pelas mulheres, pressionando o seu dia a dia e dificultando, por exemplo, que elas trabalhem fora de casa, uma vez que terão inúmeras funções a serem cumpridas na rotina.

Embora as principais afetadas pelo clima sejam as mulheres pobres em países menos desenvolvidos, são também as que menos contribuem para o aquecimento global e que buscam combatê-lo. Historicamente, as mulheres têm sido as guardiãs da vida natural por serem, por exemplo, protetoras das sementes.

Nós, mulheres indígenas, lutamos diariamente para reverter as mudanças climáticas ou minimizar seus impactos. Nós vivenciamos as mudanças climáticas com as alterações nas nossas plantações, no nosso artesanato, nas cheias e nas secas severas pelas quais temos passado, com a alteração das nossas vidas. 

Para superarmos essa condição, precisamos entender que todo tipo de opressão gera resultados negativos. Garantir o lugar de fala de cada ser do planeta nos fortalece e nos indica caminhos de transformação.

4. WEBINAR

4.1. MEMÓRIA

O webinar “Existe clima para gênero nas eleições” foi promovido pelo Grupo de Trabalho (GT) de Gênero e Clima do Observatório do Clima no dia 06 de novembro de 2020. Participaram da mesa as líderes comunitárias Danielle Lins, do Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste do Recife/PE, e Francisca da Silva, representando o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e o GT Agenda 2030. 

Também estiveram presentes: Julia Campos, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Rayana Burgos, membro da Youth Climate Leaders (YCL). A mediação foi de Lígia Galbiati, doutoranda em Ambiente e Sociedade pela Universidade de Campinas (UNICAMP), enquanto as boas-vindas ao espaço foram feitas por Joana Amaral e Joci Aguiar, do Observatório do Clima (OC).

Joana Amaral, coordenadora-executiva do Observatório, explicou o significado do evento: “Esse encontro foi fruto de um processo de diálogo de diferentes organizações com candidatas e candidatos sobre como inserir as pautas de clima e gênero no debate público. É, mais do que tudo, um processo de conhecimento coletivo sobre esses assuntos. O GT se coloca, assim, como um espaço de articulação e formação coletiva”. Joci Aguiar, também da coordenação do OC, explicou o contexto de criação deste coletivo e por que a incidência política é um caminho fundamental: “Enxergamos os espaços de tomada de decisão e as políticas públicas como elementos essenciais para redução das desigualdades de gênero e promoção da equidade em um cenário de mudança climática”.

Ao iniciar o espaço, Lígia Galbiati esclareceu como a relação entre gênero e clima é fruto de uma maneira de pensar o mundo e as relações sociais: “As exclusões atualmente materializadas em uma segregação urbana, menor acesso ao saneamento, água potável, moradia digna, entre outros, serão amplificadas pelos efeitos da mudança climática”. Os municípios precisam reconhecer que os efeitos desse cenário se apresentam de modo diferente para os diversos grupos e, portanto, as políticas públicas precisam considerar essas particularidades.  

Nos depoimentos das líderes comunitárias Danielle Lins e de Francisca da Silva (mais conhecida como “Xica”), foram relatadas situações de violência e abusos domésticos relacionados a gênero, mas que mesmo assim não contiveram as lutas das mulheres pelo coletivo. Elas deixaram evidente o quanto políticas públicas acolhedoras são fundamentais nos municípios para que as mulheres conheçam seus direitos e sigam em frente. 

Danielle e o Coletivo desenvolvem a campanha “Voto Livre”, que busca educar os moradores da comunidade de Caranguejo Tabaiares sobre a importância de exercerem livremente seu direito ao voto de não aceitarem a compra do mesmo. Ela ressaltou uma das relações entre esse tema e a questão de gênero: “Quando a fome chega, é a mãe quem sofre mais”.  

Por sua vez, Xica trouxe a importância da representatividade política local genuína, da necessidade de empoderamento e capacitação. Em seu trabalho com mulheres candidatas, ela faz a ponte entre estas e os serviços de assistência jurídica e contábil. É uma forma de garantir que as mulheres tenham informações e apoio necessário durante e após a campanha. Segundo Xica, muitas são convidadas a integrar os partidos apenas para cumprir a cota feminina de 30% nos fundos partidários e, muitas vezes, não estão a par dos procedimentos legais e contábeis que uma candidatura exige. 

Julia Campos (Imaflora) apresentou o projeto Pira no Clima, uma iniciativa no município de Piracicaba/SP. Ela também destacou como os princípios de gênero conduzem a construção do Plano Climático Participativo, em desenvolvimento, que inclui atividades formativas e culturais e traz a riqueza da representatividade local. Julia falou da importância de respeitar as particularidades de cada grupo e buscar uma maior inclusão: “É necessário ir até as pessoas vulneráveis, as pessoas que estão na ponta”.  

Já Rayana Burgos reforçou o papel de vereadores e prefeitos e apresentou  ferramentas existentes dentro do Poder Municipal para implementar políticas públicas em diálogo com questões socioambientais, como os orçamentos públicos e planos diretores. Ela também salientou maneiras de incluir ações climáticas na definição de políticas públicas de educação, saúde, saneamento, moradia, assistência social e cultura, entre outras áreas. 

Por fim, houve um momento destinado a perguntas e comentários e o espaço encerrou-se trazendo a mensagem de que aquele era apenas o início dos trabalhos sobre gênero e clima nas políticas. O GT pretende manter sua atuação e fomentar essa pauta nos espaços de decisão. 

Clique aqui e assista ao webinar “Existe espaço para gênero e clima nas eleições?”

5. POR QUE GÊNERO E CLIMA?

UM MANIFESTO DO GRUPO DE TRABALHO GÊNERO E CLIMA DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA

A mudança do clima é global, mas não atinge igualmente todas as pessoas. As condições materiais e históricas de um indivíduo e do grupo social em que se encontra influenciam seu grau de resiliência às mudanças e quão adaptáveis os sujeitos podem ser.

Construir uma sociedade sustentável em todas as suas dimensões é um dos princípios do Observatório do Clima, e entendemos que é impossível chegar lá sem combater as desigualdades de gênero, raça, classe e outras mais. 

Não são apenas fatores climáticos que definem sua chance de sobreviver a um tsunami ou ter sua voz ouvida em uma negociação internacional sobre clima – onde você se insere no tecido social também. Da mesma forma, a equidade não terá condições de ser alcançada por lutas sociais que se desenvolvam em terra arrasada, sem ecossistemas que permitam a vida e sua reprodução.

No mundo, mas especialmente no Brasil, falar de gênero é falar de raça, classe, etnia, origem, e outras tantas questões. Isto é, aspectos que socialmente limitam ou privilegiam certas pessoas e grupos. Neste país, também a questão ambiental tem sido há séculos permeada por embates desiguais.

Saber que as desigualdades sociais e a mudança do clima são construções humanas interconectadas é perceber que é nossa responsabilidade reverter esse cenário. 

Que as questões de gênero e todas as suas intersecções sejam refletidas nas discussões ambientais – das delegadas que vão à Conferência do Clima da ONU aos meteorologistas nas universidades. E que o combate à mudança climática permeie todas as lutas e os diversos grupos sociais – das mulheres indígenas no Amazonas aos transexuais urbanos.

Apenas assim atingiremos a tão sonhada sociedade sustentável.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Equidade de gênero nos espaços de governança climática

A mudança climática atinge as populações de forma diferente, a depender de vários fatores: raça, gênero, classe social, idade, localização geográfica, etnia etc. Este relatório se propõe a analisar a equidade de gênero nos espaços de governança climática a nível federal.

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Após produzir uma nota técnica analisando a presença de gênero em políticas e programas climáticos federais, as integrantes do GT Lígia Galbiati, Severiá Idioriê e Michelle Ferreti trouxeram apontamentos do que isso significa e para onde podemos ir.

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Justiça Climática: conceito, luta e prática

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Transporte urbano não leva em conta desigualdade de gênero

Transporte urbano não leva em conta desigualdade de gênero

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Transporte urbano não leva em conta desigualdade de gênero

ELABORAÇÃO: Tatiane Matheus*
PUBLICADO EM: 08 de novembro de 2020
97% das mulheres no Brasil já sofreram algum tipo de assédio sexual no transporte público

Todos deveriam ter direito à cidade, ao usufruto do espaço urbano e acesso aos serviços públicos. Mas, na prática, diferentes barreiras limitam esse acesso. Uma delas é imposta pelas políticas de transporte público “neutras”, isto é, que não levam em conta as diferentes necessidades e padrões de uso de homens e mulheres.

As mulheres são a maioria entre os usuários de ônibus na região metropolitana de São Paulo, segundo mostrou a pesquisadora Haydée Svab no estudo “Evolução dos padrões de deslocamento da região metropolitana de São Paulo” (2016). No metrô, elas passaram a ser maioria a partir de 1997.

A dinâmica de mobilidade dos homens costuma ser mais linear: da casa para o trabalho e vice-versa. Já as mulheres, por serem geralmente as maiores responsáveis pelas atividades parentais e familiares, também se deslocam com maior frequência pela cidade: levam os filhos para a escola, fazem compras, cuidam dos idosos da família etc. Fazem várias viagens, curtas, longas, com diferentes objetivos e em horários distintos. Por essa razão, são elas, e em especial as que moram nas periferias, as mais impactadas pelos problemas de mobilidade urbana: o alto custo das passagens, a baixa qualidade do transporte público, a baixa integração entre os distintos modais de transporte, as más condições das calçadas etc.

Sabe-se que as mulheres também fazem mais deslocamentos a pé do que os homens. A Pesquisa de Mobilidade na Região Metropolitana de São Paulo, conduzida pelo Metrô, revelou em 2020 que 32,5% das mulheres se deslocam a pé pela cidade, contra 29% dos homens. Outro estudo, desta vez realizado pela organização Mobilize Brasil, concluiu que nenhuma das 27 capitais brasileiras oferece condições mínimas para a circulação de pedestres em suas calçadas, ruas e faixas de travessia. Há, inclusive, uma quantidade imensurável de ruas que nem calçadas têm. Claro que a melhoria da circulação das mulheres nas cidades não virá apenas da melhoria das calçadas, mas estas são fundamentais para a segurança. 

É nesse quesito da segurança que, novamente, as mulheres estão mais expostas ao circularem na cidade. Além de serem mais suscetíveis a assaltos, correm também risco de outros tipos de violência. De acordo com pesquisa realizada em 2019 pelos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, 97% das brasileiras já sofreram algum tipo de assédio sexual no transporte público.

MEIO AMBIENTE, MOBILIDADE URBANA E GÊNERO

Mudanças no clima tendem a acirrar os problemas já vividos pelas pessoas. O aquecimento global deve aumentar os esforços femininos pelos cuidados com a casa e com familiares, sobrecarregando mais as mulheres, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Os impactos serão ainda maiores para as mulheres negras e pobres, com menos acesso aos recursos necessários para se adaptarem às mudanças climáticas (sejam eles físicos, capitais, financeiros, humanos, sociais ou naturais). Estima-se um aumento de doenças transmissíveis e de desnutrição pela redução da oferta de alimentos, além de mudanças nos padrões de incidência de alergias e doenças respiratórias. Novamente, isso exigirá mais das mulheres (visto que desempenham mais tarefas de cuidado) e intensificará a mobilidade urbana.

A baixa representatividade das mulheres brasileiras em cargos públicos se reflete na ausência de políticas públicas que levam em conta a desigualdade de gênero. Há mais mulheres (51,8%) que homens (48,2%) no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2019. Porém, no ranking de representatividade feminina no Congresso, por exemplo, o Brasil ocupa a 134ª posição entre 193 países pesquisados, com apenas 15% de participação de mulheres. São 77 deputadas em um total de 513 cadeiras na Câmara, e 12 senadoras entre os 81 eleitos, de acordo com o Mapa Mulheres na Política 2019, um relatório da Organização das Nações Unidas e da União Interparlamentar.

Apenas ao inserir mais mulheres nos espaços de tomada de decisão – bem como as reivindicações daquelas que mais vivenciam a desigualdade territorial e a violência institucional – que poderemos propor soluções inclusivas para os problemas da mobilidade urbana e para uma retomada verde econômica e social.

* Sobre a autora: Jornalista, pesquisadora no Instituto ClimaInfo e membro do GT de Gênero do Observatório do Clima.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Indicativos de Gênero em Políticas e Programas Climáticos na esfera Federal

Como as soluções baseadas na natureza podem integrar um novo pacto social e econômico

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Como as soluções baseadas na natureza podem integrar um novo pacto social e econômico

ELABORAÇÃO: Miriam Prochnow*
PUBLICADO EM: 08 de novembro de 2020
O Brasil precisa lidar com o declínio das atividades econômicas e, ao mesmo tempo, resolver os problemas ocasionados pela emergência climática. A solução para essas crises é a conservação da natureza que proporcione uma retomada verde e socialmente inclusiva.

A humanidade enfrenta uma de suas piores crises. Em meio a pandemia da Covid-19, que já matou mais de 260 mil pessoas no Brasil, o país precisa lidar com o declínio das atividades econômicas e, ao mesmo tempo, atuar de forma eficiente para resolver os problemas ocasionados pela emergência climática. A solução para todas essas crises passa pela conservação da natureza, uma vez que novas pandemias poderão surgir em razão da destruição dos ambientes naturais.

Uma retomada econômica sem considerar os limites da natureza, o uso sustentável dos recursos naturais, mas também a inclusão social, certamente agravará a situação. Precisamos estimular e ajudar a construir um novo pacto social, no qual a equidade de gênero, o combate ao racismo e a proteção da natureza sejam questões centrais e inegociáveis. Essa nova economia deve reafirmar alguns valores: democracia, busca da inovação, respeito aos direitos humanos, à diversidade, às minorias, à vida e à biodiversidade e às futuras gerações. 

É urgente apostar nas Soluções Baseadas na Natureza (SBN), isto é, inspiradas na natureza e que integram objetivos sociais, econômicos e ambientais. Pensar o território com olhar de drone e visão de libélula: do alto, com a complexidade exigida e onde cabem não somente os atores existentes em um território, mas também a própria natureza.

Soluções desse tipo incorporam as iniciativas sustentáveis existentes e consideram a qualidade e segurança alimentar, a proteção, restauração e regeneração de ecossistemas, a proteção da biodiversidade, a proteção e uso racional dos recursos hídricos e o desenvolvimento e implementação de energias limpas e renováveis.

Já existem diversos exemplos de Soluções Baseadas na Natureza em diferentes áreas. Os desafios são manter, consolidar e ampliar tais projetos, bem como replicá-los e adaptá-los a outras regiões.

Entre as várias ações que podem contribuir para essa mudança, estão:

  • buscar e direcionar investimentos públicos já existentes para iniciativas sustentáveis;
  • repensar as políticas públicas, atrelando a concessão e liberação de créditos (agrícolas, imobiliários, infraestrutura etc.) ao novo pacto social verde;
  • incentivar e fomentar o cumprimento da legislação ambiental e a implantação de paisagens sustentáveis (Cadastro Ambiental Rural – CAR, Programa de Regularização Ambiental – PRA, Bolsa Restauração);
  • criar um sistema de financiamento e crédito para que propriedades e imóveis rurais se tornem sustentáveis, desinvestindo em atividades e equipamentos altamente emissores de carbono;
  • capacitar a assistência técnica para um olhar integrado que considere a paisagem, a biodiversidade, os recursos hídricos e a proteção do solo como essenciais para a atividade agrossilvopastoril.

Já existem investimentos sociais privados bem sucedidos que podem e devem ser replicados. Por exemplo, o Projeto Matas Legais, uma parceria entre a empresa Klabin e a ONG Apremavi. Desde 2005, a iniciativa já atendeu 1.807 famílias/propriedades e plantou 1.695.568 mudas de árvores nativas. Ao todo, o programa envolve 16.500 ha de florestas nativas conservadas, 1.500 ha em regeneração natural, 512 ha restaurados com plantios de mudas nativas. Trata-se de um projeto altamente replicável.

Nesta encruzilhada civilizatória, é urgente debater qual é a contribuição do setor privado, para além do seu cercado. É o caso da Natura, ao anunciar investimento de US$ 800 milhões nos próximos dez anos para ajudar no desmatamento zero da Amazônia, com ações em toda sua cadeia produtiva. Mais do que isso, em uma visão de emergência climática, temos de saber quanto de seu lucro o setor privado está disposto a investir. Tal discussão exige um desprendimento muito maior do que o praticado até agora.

Para trazer essas soluções de investimentos, já existem algumas ferramentas que podem ser úteis. Entre elas, estão iniciativas de diálogo que envolvem vários setores, como o Diálogo Florestal, o Diálogo do Uso do Solo e a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Estes são espaços propícios para acordos e criação de novos projetos.

Existem também os portais de transparência, que ajudam a monitorar as ações do governo, das empresas e do terceiro setor. Um exemplo é o Portal Ambiental da Apremavi, onde são cadastradas as atividades de restauração realizadas pela instituição, possibilitando seu acompanhamento público.

Outra ferramenta bem-vinda é a construção de plataformas como o Mapa do DF Sustentável, que mapeou as mais diversas iniciativas relacionadas à sustentabilidade no Distrito Federal.

Por que não criar uma plataforma também de ideias – um espaço onde as pessoas possam cadastrar suas ideias de investimentos verdes, fomentando a inovação e a criatividade? E, por fim, por que não construir uma plataforma de engajamento, a fim de cada um expressar seus compromissos com o futuro sustentável? A pergunta é simples: que tipo de investimento eu posso fazer enquanto empresa ou cidadão para ajudar a construir um presente e um futuro sustentáveis?

* Sobre a autora: Fundadora, atual vice-presidente da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi) e membro do GT de Gênero e Clima do Observatório do Clima.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Indicativos de Gênero em Políticas e Programas Climáticos na esfera Federal

Por que somente o investimento econômico em “setores verdes” não basta?

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Por que somente o investimento econômico em “setores verdes” não basta?

ELABORAÇÃO: Ana Cristina Nobre (consultora), Isabel Drigo (Imaflora), Miriam Prochnow (Apremavi) e Tatiane Matheus (ClimaInfo), membros do GT de Gênero e Clima do Observatório do Clima.
PUBLICADO EM: 29 de outubro de 2020
A resiliência a grandes crises só será alcançada com redução das desigualdades sociais, de gênero e raça.

A retomada econômica pós-pandemia causada pela Covid-19 precisa ser verde, inclusiva, sustentável, resiliente e centrada no ser humano. Para isso, é necessário um “New Green Deal” baseado na promoção de condições de trabalho decentes e com equidade de gênero e de raça. 

A transição para uma economia de baixo carbono deve levar em consideração outras dimensões além do mero benefício econômico ou geração numérica de postos de trabalho. Antes de tudo, é preciso aumentar a resiliência da sociedade e do meio ambiente, diminuir a desigualdade social e reduzir as emissões de gases de efeito estufa do Brasil. É a única forma de garantir mudanças efetivas de paradigma na economia e na sociedade.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, o rendimento médio das mulheres ocupadas, entre 25 e 49 anos, equivalia a 79,5% do recebido pelos homens da mesma idade. Ao considerar também a raça, a mulher preta ou parda ganhava 80,1% dos rendimentos de um homem da mesma cor.

Outros estudos reforçam as condições desiguais da mulher. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) mostrou que 8,5 milhões de mulheres abandonaram o mercado de trabalho no terceiro trimestre de 2020, quando começou o distanciamento social devido à pandemia. Além de estarem mais expostas à demissão, as mulheres têm mais dificuldades para procurar uma vaga e se manter no mercado. Em resumo, antes da pandemia, a maioria das mulheres estava ativamente no mercado de trabalho. Agora, ficou de fora.

No primeiro trimestre de 2020, o desemprego aumentou em 12 estados brasileiros, como efeito da quarentena realizada em algumas regiões, segundo dados do IBGE. A pandemia trouxe à tona as desigualdades: a população negra brasileira viu o desemprego chegar a 15,2%, enquanto a taxa entre os brancos foi de 9,8%. 

Daí a importância de que a retomada econômica leve em conta a justiça social e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) traçados até 2030. A nova economia precisa oferecer trabalho decente para mulheres e homens, bem como conciliar geração de emprego e renda para comunidades periféricas e tradicionais, valorizando seus modos de vida. 

Por trabalho decente entende-se o trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, e que garanta uma vida digna a todas as pessoas que vivem dele e a suas famílias, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Os investimentos verdes para a retomada econômica somente poderão ser inclusivos se estiverem pautados por ações coordenadas, visando: 

  • políticas macroeconômicas e de desenvolvimento, políticas industriais e setoriais que considerem as dimensões sociais, ambientais e climáticas; 
  • apoio para que micro e pequenas empresas atuem nos novos setores da economia de baixo carbono; 
  • desenvolvimento de habilidades e competências profissionais; 
  • priorização da saúde e segurança no trabalho; 
  • ampliação da oferta de proteção social;
  • defesa dos direitos universais e dos serviços públicos; 
  • políticas públicas e ações que promovam a garantia dos Direitos Fundamentais do Trabalho;
  • promoção do diálogo social com a participação de representantes de governos, empregados e empregadores;
  • políticas ativas que promovam condições de trabalho decentes, reduzam e combatam as desigualdades estruturais de gênero e raça presentes no mercado de trabalho brasileiro.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Por que somente o investimento econômico em “setores verdes” não basta?

A retomada econômica pós-pandemia causada pela COVID-19 precisa ser verde, inclusiva, sustentável, resiliente e centrada no ser humano. Para isso é necessário que, se for estabelecido um “New Green Deal”, que ele tenha como elementos estruturantes a promoção de condições de trabalho decente com equidade de gênero e de raça.

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